Faz exatos 53 anos, o Brasil engatinhou ditadura. Essa época entrou para a história como Golpe Militar de 1964. Por mais de duas décadas, o mando da República esteve à força não de projetos e contraditórios, mas de repressão, censura, opacidade, medo. Milhões de brasileiros tiveram suas vidas marcadas a partir do Golpe, bem próximas a mim, meu pai e minha mãe. Escolhi postar a história de uma dessas pessoas, a de Amelinha Teles – ativista política e feminista conhecida internacionalmente
Por Fernanda Pompeu em seu blog
Maria Amélia de Almeida Teles, a Amelinha, é uma cidadã brasileira absolutamente convicta de que só alcançaremos justiça se as injustiças forem denunciadas. Ela acredita que se as pessoas se esconderem e se esquivarem – nada se transformará.
Filha do seu Jofre, estivador no Porto de Santos e mais tarde ferroviário em Belo Horizonte, ela e a irmã Criméia de Almeida passaram a infância acompanhado a agitação política do pai comunista e sindicalista. Nas reuniões em sua casa, com o Partido Comunista na ilegalidade, o pai dizia para ela: Fica sentadinha aí no primeiro degrau da escada. Se você avistar a polícia, berra para a gente. Muitas vezes a polícia chegou e o pai e seus companheiros pularam o muro dos fundos da casa.
Corriam para não serem presos. Minha mãe, Lúcia, dava todo apoio ao meu pai. Moral da história: eu fui criada em meio a discussões de melhores condições de trabalho, organização de movimentos populares, oposição aos patrões e poderosos. Daí a consciência social e o posicionamento político cresceram naturais em mim, ela rememora.
O golpe militar de 1964
Amelinha tinha 19 anos e trabalhava no escritório da siderúrgica Mannesmann, de capital alemão, sediada na capital mineira. O maior orgulho da empresa era fabricar com exclusividade tubos de aço sem costura. Eu gostava de trabalhar lá. À noite eu ia alfabetizar jovens e adultos, via método Paulo Freire, numa favela próxima de casa. Eu sentia que estava contribuindo para a conscientização dos trabalhadores por meio da alfabetização, diz Amelinha.
Naquele ano, a situação política brasileira estava periclitante. O governo de João Goulart, o Jango, acenava com as Reformas de Base, a saber, reformas eleitoral, tributária, bancária, constitucional, agrária. Esta última era explosiva, enchia muitos latifundiários de pânico.
Ela conta: Eu soube que o Jango estava deposto pelo rádio. Meu pai saiu para trabalhar e não voltou. A família só foi encontrá-lo seis meses depois na penitenciária de Ribeirão de Neves. Lá estavam muitos presos políticos.
Numa dessas procuras pelo pai, Amelinha e a irmã foram presas num quartel. Solta, ela teve que responder a um IPM – inquérito policial militar. Acabou indiciada por subversão e, é lógico, foi demitida da Mannesmann.
Você vai ver sua filhinha num caixão
Indiciada e demitida, Amelinha e seu companheiro César Teles (morto em dezembro de 2015) optaram pela vida clandestina. Foram oito anos, divididos entre Rio de Janeiro e São Paulo. Tive vários nomes de guerra. Trabalhávamos numa gráfica clandestina e éramos radioescutas. Nesse período nasceram meus dois filhos, Edson e Janaína.
Em dezembro de 1972, auge da repressão militar, Amelinha e César são presos em São Paulo. Fomos torturados no Doi-Codi de forma implacável pelo coronel Carlos Alberto Ustra. Também sequestraram meus filhos pequenos. Chegaram a dizer que eu ia ver a Janaína dentro de um caixãozinho, ela relata.
Ao sair da prisão, Amelinha irá se aproximar das famílias dos mortos e desaparecidos. Ela explica: Até hoje luto para saber o que ocorreu com essas pessoas. Como elas morreram? Onde estão seus restos mortais? É direito sagrado da família enterrar os seus! A verdade só irá aparecer quando as Forças Armadas abrirem seus arquivos para o público. Está difícil.
Pulsando com as mulheres
Amelinha Teles é também uma das mais relevantes feministas do país e da América Latina. Foi uma das fundadoras, em 1981, da União de Mulheres de São Paulo – uma das mais longevas organizações pró-direitos das mulheres. Formada em Direito, Amelinha é das coordenadoras do Curso de Promotoras Legais Populares no estado de São Paulo.
Ela agrega: Direito não é como chuva que cai do céu. Você tem que correr atrás. Aprender a acessá-lo. O feminismo surgiu na vida de Amelinha quando ela ainda tinha uma militância partidária. Eu observava que na hora de tomar decisões só havia homens. Daí, me perguntava: Cadê as mulheres? Ora, elas estavam em casa dando suporte para a luta dos companheiros. Ou quando eram do partido tinham tarefas pouco qualificadas. Achava e acho isso muito desigual.
Conheça mais da História do Brasil
Brinde