Ana Paula Xongani estreia no GNT e se torna primeira brasileira com dreads em campanha de cabelos

A influenciadora digital fez os dreads durante uma viagem a Moçambique, onde também se inspirou no design da marca de roupas Xongani, em parceria com sua mãe

Por KAMILLE VIOLA, da Revista Marie Claire 

Ana Paula Xongani: primeira mulher brasileira com dreads a fazer campanha de beleza (Foto: Imagem retirada da Revista Marie Claire)

Com 68 mil inscritos em seu canal do YouTube e quase 68 mil seguidores no Instagram, a influenciadora Ana Paula Xongani, de 30 anos, é uma referência para mulheres negras na internet. Depois de firmar parcerias com as mais diversas marcas, ela acaba de quebrar uma barreira: é a primeira embaixadora com dreads de uma marca de produtos para cabelos no Brasil. E se prepara para transpor outra: em junho, ela estreia no comando do programa Se essa Roupa Fosse Minha, no GNT, ao lado de Marina Franco e Giovanna Nader.

“Muito cedo, percebi que falar de beleza era extremamente importante a partir do lugar onde eu estou: sendo eu uma mulher preta, de cabelo endredado, crespo, natural. Antigamente, tinha um estereótipo de associar o cabelo com dread a sujeira, por ignorância. Mas isso está mudando. Dread é só cabelo com cabelo e uma dose amor”, analisa Ana Paula.

Ela frisa que não basta abrir espaço para um único tipo físico de pessoa negra: é preciso avançar no debate. “Há pouco tempo, a mídia entendeu que é importante a presença de pessoas negras nas capas, nos filmes, nos times. Mas o próprio mercado precisa entender a importância de ter pessoas, além de negras, escuras. A maioria das pessoas negras que estão nos lugares com atenção midiática é clara. Por que ainda a gente tem pouco do que chama de proporcionalidade? Não basta ser negro, tem que ter diversidade nessa negritude. Onde tem a loura, a ruiva, a japonesa e a morena, tem que ter a negra escura, a negra clara, o cabelo crespo, cabelo endredado”, ensina ela.

Ana Paula Xongani: a influencer estreia como apresentadora do GNT (Foto:Imagem retirada da Revista Marie Claire)

Ana reivindica, também, poder falar de outros assuntos, além de racismo. “Eu queria existir, para além de resistir. O que isso significa? Eu queria poder ser. Poder falar qual é a minha cor preferida. Não necessariamente deixar de falar sobre outras coisas, mas falar também qual é a minha cor preferida. E que isso é importante para mim. Existir, marcar minha existência. O que eu chamo de resistência é o combate ao racismo, machismo etc.”, explica ela, que comemora a ida para a TV em breve. “Espero que seja mas um lugar de informação para as pessoas. E eu acho que é mais um passo para isso que eu falei, de poder existir”, explica a influenciadora, que é casada há dez anos e tem uma filha de 5.
Foi em uma viagem a Moçambique, há nove anos, que ela resolveu fazer os dreads. Ela usava um corte afro e ficou encantada com a variedade de penteados que existiam com esse tipo de cabelo por lá. “Foi ali que eu percebi que as pessoas usavam dreads para casar — e faziam penteados incríveis —, que as crianças usavam e colocam bolinhas na ponta para enfeitar, que executivas usavam e faziam um belo de um coque para trabalhar, que as pessoas deixavam solto para balançar quando fosse dançar… Quando eu vi uma senhorinha de dreads brancos, eu entendi: é só um cabelo mesmo”, lembra. Na época, filmou a técnica utilizada por lá, em que se passava um gel para endredar o cabelo, e sua mãe fazia a manutenção da raiz. Dois anos depois, aprendeu uma técnica que imigrantes africanas trouxeram para cá, em que se usa uma pequena agulha de crochê, que adotou. “É como se fosse um crochê de cabelo”, resume.

Também foi por causa do país africano, que Ana já visitou por diversas vezes, que surgiu a Xongani (que significa “se arrume” ou “fique bonita”), sua marca de moda (que deu origem ao seu sobrenome artístico). Sua mãe, que sempre costurou, tinha começado a criar novas peças quando Ana Paula viajou para lá, após se formar em design. “Isso teve até consequências na minha pesquisa de faculdade. O meu TCC foi sobre design negro, design africano. E eu terminei a graduação e falei: vou para Moçambique ver essas coisas que eu estou pesquisando”, lembra ela. Chegando lá, se encantou pelos tecidos coloridos do lugar. Sua mãe disse que ela deixasse suas roupas lá e trouxesse tecidos na mala, que ela refaria tudo com o novo material. “Nessa história de refazer as minhas roupas e os meus acessórios, a Xongani nasce”, lembra. O site foi criado em 2011. Em 2015, ganhou loja física em Arthur Alvim, bairro da Zona Leste.

Ana Paula Xongani com a família, com quem tem uma marca de roupas (Foto: Imagem retirada da Revista Marie Claire)

O negócio a levou a fazer vídeos: no início, eram tutoriais sobre os produtos vendidos, como turbantes e faixas. Mas o público começou a querer saber mais sobre quem fazia a marca. “E aí a gente começou a falar um pouco mais sobre o nosso processo criativo, e aí eu fui percebendo que queriam saber muito mais coisas sobre mim. E que, a moda que a gente fazia, o produto final era tão importante quanto a história que estava por trás. As pessoas não compravam um produto, mas toda uma história”, diz.
Foi no contato com as clientes, em sua maioria negras, que ela foi acumulando bagagem para os assuntos que leva para o seu canal. “Todas essas vivências, relatos e conversas intensos que tivemos lá foram me abastecendo de ferramentas para criar os meus discursos sobre beleza de forma política na internet”, explica ela, que traduz seu canal como um espaço para “conversas gostosinhas com papo cabeça”. “Em 2018, eu falei assim: ‘Eu quero um canal que promova o diálogo, mas a partir do acolhimento. Alguns bordões do canal são: ‘Não tem problema não saber, o problema é não querer mudar’, ‘Vamos fazer uma conversa gostosinha’, ‘Vamos ser melhorzinhos aqui no mundo’ (risos). É tudo isso. O que me aflige, o que me atinge, enquanto mulher negra, enquanto mulher, enquanto mãe”, descreve Ana Paula.

Nove anos depois, ela ainda ouve quase que diariamente sobre seus dreads perguntas como “dá para lavar?” e “é seu cabelo natural?”. “Em algum momento eu fiquei me perguntando o que eu tinha que fazer: ‘Ai, meu Deus, que saco, as pessoas não sabem nada sobre cabelos crespos’ ou assumir o papel de ser uma agente de transformação. Eu optei pela opção B. Então respondo pacientemente, 99% das vezes (risos)”, conta. “Quero que essa oportunidade de ser a primeira embaixadora de produtos para cabelos de dreads do Brasil seja uma possibilidade de distribuir informação. Porque, quando a gente distribui informação, minimiza os preconceitos, tem equidade, promove naturalização dos corpos pretos. Quando a gente naturaliza os corpos negros, a diversidade dos cabelos negros, é uma possibilidade de combater diversas coisas, principalmente o racismo.”

A fim de usar dreads? Tire suas dúvidas

Lavar
“Uma vez por semana, eu lavo o cabelo com dois produtos, xampu e condicionador. Só pulo a parte do creme de pentear, eu finalizo com óleo. Porque o creme acumula nos dreads, e o óleo, não. É preciso ter uma finalização para ficar mais sedoso. Tem muita gente que não usa condicionador nos dreads, e é por isso que os cabelos não crescem. A sua raiz vai sustentar todo o seu cabelo. Você lava com xampu, as escamas ficam todas abertas. Então você precisa fechar. E o condicionador faz isso. Se você não usa, o que acontece? Seus dreads quebram na raiz.” Ela mistura o xampu com a mesma quantidade de água antes de passar e faz o mesmo com o condicionador, que aplica usando um borrifador.

Manutenção
“Eu refaço a raiz quatro vezes ao ano, ou seja, mais ou menos de três em três meses.”

Secar
“Ou eu lavo no início do dia e deixo secar naturalmente. Se não dá tempo de secar, finalizo com secador.”

Pintar
“Pode tingir de preto, vermelho, de rosa, fazer californiana.” Ana pinta seus dreads de preto.

Cortar
“Pode fazer chanel, franja, corte em V, corte em U, é só cortar do jeito que quiser.”

Cuidar
“Você pode fazer uma umectação com óleo (como se faz com o de coco, por exemplo).”

Quando enjoar
“Na hora em que eu cansar, tenho que cortar eles na raiz. Quando eu cansar, vou ficar careca. Ou deixar uns meses sem fazer, que aí vai ter cabelo.”

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