Em visita ao Brasil, ex-jogador inglês se considera um sobrevivente e chama a atenção para o abuso sexual de crianças no futebol
por Breiller Pires no El País
De um lado, o retrato em que aparece eufórico pela expectativa de ingressar num time de futebol. Do outro, a imagem melancólica distinguida por um sorriso forçado, repleto de constrangimento. As duas fotografias foram tomadas em um intervalo de dois meses. O suficiente para arruinar o entusiasmo de Andy Woodward, então um garoto de 10 anos que dava os primeiros passos com a bola no Crewe Alexandra, clube modesto do interior da Inglaterra. Na última foto, ele já integrava a equipe infantil comandada por Barry Bennell, o treinador que mais tarde se revelaria um predador sexual. Havia só algumas semanas que o técnico passara a molestá-lo, mas o brilho que carregava nos olhos antes de sair da casa dos pais desapareceu completamente. “O abuso sexual de meninos é muito comum, ainda mais no futebol”, diz Woodward ao EL PAÍS, logo depois de comparar as fotos de sua infância em uma palestra promovida pelo Sindicato de Atletas de São Paulo.
Antes de contar sua história, o ex-jogador de 44 anos recorda que sua paixão pelo jogo está diretamente associada ao país que ele visita pela primeira vez. “Meu sonho começou por causa do Brasil”, conta. “Sempre admirei a forma como os brasileiros jogavam. Assistir à seleção brasileira pela televisão foi o que despertou meu amor pelo futebol.” A relação afetiva evoluiu para o desejo de fazer do esporte uma profissão. Entrou em êxtase quando Barry Bennell foi até sua casa com uma proposta em mãos. “Seu filho é bom. Deixem-no ir morar comigo que eu vou transformá-lo em um grande jogador”, profetizou o técnico aos pais de Woodward, que não pensou duas vezes antes de agarrar aquela oportunidade que tanto sonhara. “Uau! O melhor treinador do país quer que eu vá morar com ele. Por que não?”
Logo, ele descobriria que Bennell tinha outras intenções. “Era o melhor treinador do país, mas também era um pedófilo.” Além de detectar a habilidade nos pés dos garotos, o olheiro se mostrava um recrutador frio e calculista. Estabelecia critérios rigorosos ao selecionar suas vítimas. “Ele gostava dos morenos. Escolhia sempre os mais jovens e mais vulneráveis”, explica Woodward. “Observava os pais e se aproximava deles, para só então dar o bote certeiro. Como eu era tímido e introvertido, me encaixava no perfil que ele buscava.”
Bastaram apenas duas semanas morando com o treinador para os abusos sexuais começarem. “Meu sonho desmoronou, mas eu não desisti. ‘Não vou deixar esse monstro me derrotar’, eu repetia internamente. Preferi guardar aquele sofrimento para mim.” Em pouco tempo, Bennell o escravizou sem precisar dar ordens explícitas nem apelar para castigos físicos. Andy Woodward era refém do sonho de se tornar jogador de futebol. “Fui abusado pelo meu treinador por mais de seis anos. Ele tinha minha vida em suas mãos. E, principalmente, o poder de entrar na minha cabeça. Era, acima de tudo, um abuso mental.”
“Não fossem os abusos que sofri, eu poderia ter me tornado um jogador da Premier League”
Enquanto sofria investidas recorrentes, o já adolescente Woodward progredia com a equipe juvenil do Crewe. “Nosso time era muito bom. Jogávamos contra o Manchester United, de David Beckham e companhia, e goleávamos. O problema estava longe do campo. Assim como eu, outros 10 companheiros de clube padeciam com Bennell. Apenas dois daquela geração se tornariam jogadores profissionais.” Woodward era um deles. Estreou pelo time principal do Crewe em 1994, aos 20 anos, na terceira divisão inglesa. Ele já havia se libertado das garras de Bennell, mas não das consequências de tantos anos submetido às vontades do treinador. Em contraste com o momento de prosperidade nos gramados, vivia um turbilhão em sua vida pessoal. “Por causa dos abusos, eu achava que era gay. Então, cismei que precisava me casar com uma mulher. Tive meu primeiro filho aos 19. Mas, como estava desnorteado, logo me divorciei. Por mais que tentasse, eu não conseguia me livrar dos fantasmas que me assombravam.”
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