Anistia Internacional, MPF e UFPE repudiam reintegração no Estelita

Entidades criticam uso da força policial para retirada de manifestantes.
Grupo contrário a projeto imobiliário ocupava terreno desde 21 de maio.

A Anistia Internacional, o Ministério Público Federal (MPF) e a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) informaram, nesta terça-feira (14), através de notas oficiais, que repudiam a ação de reintegração de posse do Cais José Estelita, ocorrida na manhã desta terça (17). As duas organizações fazem parte do grupo de discussão que, após a ocupação, iniciou um debate com a Prefeitura do Recife, o Consórcio Novo Recife, outros organismos e representantes do movimento Ocupe Estelita para elaborar uma reformulação do projeto imobiliário previsto para o terreno.

Através de nota divulgada em seu site, a Anistia “condena o uso excessivo da força e de das chamadas armas menos letais (balas de borracha, gás lacrimogêneo, spray de pimenta) utilizadas pela Polícia Militar de Pernambuco para desocupar o Cais Estelita. […] Os manifestantes estavam em negociação com autoridades locais, com acompanhamento do Ministério Público, e havia o compromisso de que qualquer reintegração de posse teria um aviso prévio de 48 horas. Há denúncias de manifestantes feridos, equipamentos confiscados, destruição do acampamento e pessoas detidas sob a acusação de formação de quadrilha.”

Em seu comunicado, o MPF afirmou que o “o mandado de reintegração de posse foi cumprido de forma arbitrária e com medidas típicas de cumprimento de ordens contra criminosos, sem conhecimento prévio do Ministério Público e dos representantes do movimento de ocupação, descumprindo todos os protocolos de execução de ordens de reintegração de posse das secretarias de Defesa Social e de Direitos Humanos, que visam à desocupação pacífica e à garantia da integridade física dos ocupantes.”

Já a UFPE se mostrou indignada com o uso da força policial. Segundo a nota divulgada pela universidade, o ocorrido “desrespeita frontalmente o acordo envolvendo diversas instituições, a Prefeitura do Recife e os empreendedores. Desta forma, a UFPE registra sua preocupação quanto ao futuro das negociações iniciadas, que tinham como objetivo a defesa de uma cidade melhor, mais humana e mais inclusiva.”

Outros desdobramentos
A Prefeitura do Recife também divulgou um comunicado oficial, no qual disse entender “que o melhor caminho para a desocupação do terreno seria através de uma solução negociada e pacífica.” O Consórcio Novo Recife, dono do terreno, informou por meio de nota que, como o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) havia reconhecido a ilegalidade da ocupação, o uso da força policial foi necessário para o cumprimento do mandado de reintegração.

Questionado sobre o porquê dos acordos previamente firmados entre as partes envolvidas terem sido desrespeitados, o secretário da Casa Civil, Luciano Vasquez, informou que o TJPE expediu um ofício na sexta-feira (13), reiterando a necessidade da força policial para o cumprimento do mandado de reintegração. “Decisão judicial não se discute, cumpre-se. Cabe ao Tribunal de Justiça determinar o cumprimento e a data que melhor lhe convier”, relatou. A assessoria de comunicação do TJPE informou ao G1, por telefone, que a data para execução de um mandado judicial não é marcada pela corte, mas pela Polícia Militar.

Procurados pela reportagem, o Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura em Pernambuco, o Instituto de Arquitetos do Brasil e o Conselho de Arquitetura e Urbanismo, entidades que vêm participando da negociação mediada pela Prefeitura, ainda não se pronuciaram sobre a reintegração.

O MPF pediu a presença da Polícia Federal, após ser informado de que haveria uma retroescavadeira no Cais José Estelita dando continuidade à demolição, o que seria proibido, já que a obra está embargada. Ao chegar ao local, a PF não encontrou o equipamento, mas como tapumes foram instalados nos pontos do muro que estavam abertos, um engenheiro do Consórcio Novo Recife que estava no local foi convidado a prestar esclarecimentos. Ainda conforme a PF, a instalação dos tapumes não seria permitida, pois o Consórcio não pode executar qualquer tipo de obra no cais.

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Bomba na porta de casa, detidos e feridos
Na manhã desta terça-feira (17), a Polícia Militar cumpriu o mandado de reintegração de posse expedido pelo desembargador Márcio Aguiar, em 29 de maio. O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) recorreu da decisão, na ocasião, mas o caso não foi julgado até o momento. Segundo o TJPE, quem julgará o recurso é a 4ª Câmara Cível, que se reúne às quintas-feiras. Como nesta quinta será o feriado de Corpus Christi, uma sessão extraordinária está marcada para quarta (18), mas não há como garantir que o recurso será apreciado.

Uma jovem de 18 anos, grávida de sete meses, mora em uma casa junto ao terreno que estava ocupado. Sem se identificar, ela lembra que foi surpreendida pelas bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo. “Eu estava dentro de casa, quando a bomba estourou na porta. Fiquei muito nervosa. Tenho visto a ocupação, os manifestantes não fizeram nada”, afirma Cláudia. Após se acalmar, ela dispensou a ida ao hospital.

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Quatro manifestantes foram detidos e levados para a Central de Flagrantes da Polícia Civil, em Campo Grande. Os quatro já prestaram depoimento e contra eles foi registrado um Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) por desacato e resistência, contravenções de menor potencial ofensivo.

O Corpo de Bombeiros informou que três pessoas precisaram ser removidas para unidades de saúde. Duas delas foram levadas ao Hospital Tricentenário de Olinda: uma mulher que desmaiou e um rapaz de 18 anos que foi atingido por estilhaços de bomba de efeito moral. De acordo com o Tricentenário, o manifestante sofreu arranhões leves no peito e no braço, mas já teve alta. Conforme a unidade, a outra manifestante inalou muito gás lacrimogêneo e segue em observação, sem previsão de alta. Outro homem foi levado para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da Imbiribeira, na Zona Sul do Recife. Não há informações sobre o estado de saúde dele.

Como se deu a desocupação
O Batalhão de Choque, o Regimento da Polícia Montada e a Companhia Independente de Policiamento com Cães (CIP-Cães) da Polícia Militar fizeram um bloqueio no terreno para cumprir o mandado, no começo da manhã desta terça. Quem passou pelo local logo cedo ouviu o barulho de bombas de efeito moral e fumaça perto das barracas da ocupação. Um bloqueio policial foi montado na altura do Cabanga e nenhum carro pôde entrar na avenida do Cais.

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No local, a Polícia Militar apresentou um documento onde afirma que a intenção era apoiar a oficial de justiça designada para cumprir a decisão do juiz. Apesar do mandado de reintegração de posse do terreno ter sido emitido no dia 29 de maio, havia um acordo entre os manifestantes e a PM de que seria feito um levantamento sobre o tipo de ocupação no Cais antes da retirada do grupo.

Segundo o advogado Alexandre da Maia, integrante do Direitos Urbanos, a PM informou que seria montado um esquema de desocupação junto com os envolvidos na situação. A data da reintegração de posse não ficou definida durante a reunião realizada no dia 2 de junho, que envolveu as secretarias de Defesa Social (SDS), de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos (SEDSDH) e representantes do Direitos Urbanos (DU).

Houve confronto entre policiais militares e os manifestantes. A PM usou bombas de gás lacrimogêneo, gás de pimenta e balas de borracha para dispersar quem tentava resistir à desocupação.

Acordos recentes
Na segunda-feira (16), em uma reunião na Prefeitura do Recife, foi fixado um prazo de 30 dias para serem estabelecidas as novas diretrizes urbanísticas para a área do Cais José Estelita. Participaram entidades como o Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Pernambuco (CAU), Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea), Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) e Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Uma proposta de procedimentos foi assinada e será encaminhada ao Ministério Público de Pernambuco (MPPE), Ministério Pública Federal (MPF), Consórcio Novo Recife e movimento Ocupe Estelita, que devem participar do processo de elaboração do novo projeto imobiliário para a área.

Na ocasião, foi combinada a convocação de uma audiência pública pela Prefeitura do Recife após o estabelecimento dessas diretrizes. O Consórcio Novo Recife terá, então, mais trinta dias para realizar o redesenho do projeto. Depois disso, o acordo é realizar uma nova audiência pública para que novas contribuições sejam feitas pelos envolvidos, mediante aprovação da Prefeitura.

Em relação à reintegração de posse do terreno, o prefeito Geraldo Julio disse que o assunto não foi tratado na reunião, mas que deve ser realizado em um acordo entre o movimento e as construturas.

Assinaram o documento representantes do CAU, IAB, Crea, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), UFPE, Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social (Cendhec), Observatório do Recife e Fórum Estadual de Reforma Urbana (Feru).

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Entenda o caso
A área do cais tinha sido ocupada em 21 de maio por manifestantes contrários ao projeto Novo Recife, plano imobiliário de um grupo de construtoras que prevê a construção de torres residenciais e comerciais num terreno de 10 hectares, no Centro Histórico do Recife. Eles pedem a nulidade do processo administrativo que aprovou o projeto, que hoje é objeto de ações judiciais questionando sua legalidade.

O Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) concedeu a reintegração de posse da área, atendendo a um pedido feito por advogados do Consórcio Novo Recife. O grupo Direitos Urbanos (DU) e o Ministério Público recorreram da decisão, que ainda não foi analisada pela Justiça estadual. No dia 3 de junho, a Prefeitura do Recife anunciou a suspensão da licença que permitia a demolição de galpões da área do cais.

Dois dias depois, em 5 de junho, o engenheiro Eduardo Moura, representante da Moura Dubeux Engenharia, afirmou que o Consórcio Novo Recife concorda em produzir um novo projeto para o terreno.

Medidas mitigadoras e contestações judiciais
Em 2013, a Prefeitura do Recife aprovou novas medidas referentes ao polêmico projeto imobiliário, exigindo novas ações mitigadoras – tomadas para compensar os possíveis danos causados pela construção. O valor da compensação subiu de R$ 32 milhões para R$ 62,7 milhões, com a inclusão de biblioteca, túnel e um parque linear, entre outros itens. Um termo de compromisso entre a gestão municipal e consórcio de construtoras responsável pelo Projeto Novo Recife foi assinado na ocasião.

Desde que foi criado, em 2012, o projeto é alvo de polêmicas. Cinco ações questionam o Novo Recife: uma civil pública do Ministério Público estadual, uma do Ministério Público federal e três ações populares. As ações populares pedem a nulidade do ato administrativo do Conselho de Desenvolvimento Urbano (CDU) que aprovou a proposta imobiliária no fim de 2012.

Fonte:G1

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