Antes festiva, eleição desta vez será em clima de medo

No dia do voto, fazíamos provocações políticas com humor e afeto

Lembro o tempo em que eleição era sinônimo de festa. Do meu primeiro voto, em 1989, até 2010, minha seção era num colégio de freiras de Irajá, onde cresci e morei até me casar, em 1992. Mesmo morando em outros lugares, mantive no bairro do subúrbio carioca meu domicílio eleitoral até a morte da minha mãe, 11 anos atrás. No dia de votar, cruzava a cidade, pela Avenida Brasil, almoçava o carrê com batatas coradas ou o bife de fígado da dona Anna e papeava com os amigos de infância até o anoitecer. Lembrávamos os velhos tempos, apresentávamos nossas crianças e fazíamos provocações políticas com humor e afeto. Não havia medo.

Neste ano, a violência política domina o ambiente. Não é teoria da conspiração nem histeria. O medo está expresso em decisões do Tribunal Superior Eleitoral, que proibiu o acesso com armas às seções eleitorais e, ontem, a circulação de caçadores, atiradores e colecionadores com revólveres, pistolas e fuzis (!) na véspera, no dia e nas 24 horas seguintes ao domingo de eleição. No Estado do Rio, pela primeira vez na História, as Forças Armadas apoiarão o esquema de segurança das eleições nos 92 municípios. O presidente do TRE-RJ, desembargador Elton Leme, solicitou o reforço em razão do cenário de “instabilidade social”.

O Ministério Público Federal, a partir de representação de organizações da sociedade civil, instaurou procedimento para acompanhar a atuação das forças de segurança no território fluminense no período eleitoral. A Defensoria Pública oficiou autoridades e concessionárias de transportes para assegurar oferta e frequência dos meios coletivos no dia do pleito. Uma vigília cívica em favor da integridade do processo eleitoral no país será montada na sede da OAB, em São Paulo. É iniciativa de entidades como Comissão Arns, Comitê de Defesa da Democracia, Pacto pela Democracia, Coalizão em Defesa do Sistema Eleitoral, Conectas, Democracia em Xeque, Direitos Já!, Instituto Ethos, Fundação Tide Setubal, Transparência Internacional e dos comitês de professores das faculdades de Direito da USP e da FGV-SP. Por iniciativa de Bernie Sanders, o Senado americano aprovou resolução em defesa da democracia brasileira. O texto pede que os EUA rompam laços com o Brasil se um regime ilegítimo se impuser.

Chegamos ao ponto de eleição ser mais medo e risco que esperança e festa, pela ação incessante de um presidente da República empenhado em desqualificar as autoridades, o sistema eleitoral e as urnas eletrônicas. Jair Bolsonaro é inimigo da democracia. Refere-se a Deus, pátria, família e liberdade. Mas não como valores, existência e direitos coletivos, universais. Não é, nunca foi, sobre todos os deuses e credos, pátria para todos, todas as composições familiares, tampouco liberdade para qualquer um fora do próprio arco de aliados e apoiadores radicalizados. Trata-se de um líder político que faz do ódio ferramenta, da destruição dos adversários estratégia.

Domingo, brasileiras e brasileiros exercerão o dever e o direito de votar para presidente, governador, senador, deputados federais e estaduais. Muito se tem dito sobre abstenção pelo medo da violência política difundida pelo candidato à reeleição e por seu grupo. Assim, eleitoras e eleitores terão de escolher também enfrentar o temor, escolher a coragem. Hão de lembrar que o futuro de todos nós, nossos filhos, nossos netos, nossos amores depende dos números digitados na urna eletrônica, instrumento da democracia desde 1996.

Além de votar pelo futuro inquilino do Planalto e dos palácios estaduais, escolheremos um terço do Senado, a totalidade da Câmara dos Deputados e das assembleias legislativas. Nos últimos anos, muito se argumentou sobre a necessidade de mais representatividade na política. Os espaços de poder político são tomados por homens, brancos, de meia-idade, bem de vida. A sociedade é diversa. Há mulheres, negros, indígenas, jovens, pessoas com deficiência, LGBTQIA+ sub-representados ou invisibilizados em plenários e repartições.

Dois de outubro de 2022 também será dia de mover essas rígidas e arcaicas estruturas. Não faltam iniciativas de apoio à diversidade na política. A Coalizão Negra por Direitos formou o Quilombo nos Parlamentos, com uma centena de candidatos de todo o país comprometidos com o enfrentamento às desigualdades raciais. A Articulação dos Povos Indígenas (Apib) mapeou 182 candidatos, a maioria mulheres, dos povos originários. O Instituto Marielle Franco reuniu cem candidatas e candidatos alinhados às ideias da vereadora, vítima fatal da violência política em 2018. A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) identificou 79 candidaturas neste ano, 26 a mais que em 2018. Se está interessado em renovação, em democracia plena, pesquise, informe-se. Sem temor. Com esperança e festa.

Bom voto.

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