Aos 100 anos, samba não é mais música de pretos e pobres

O samba completou cem anos de existência no último dia 27. O marco foi a canção “Pelo Telefone” composta por Donga e Mauro Almeida, o primeiro samba gravado no Brasil, em 1916. Desde então, acompanhando sua trajetória ao longo do século 20, esse autêntico símbolo de brasilidade mudou de status e significado na medida da evolução da sociedade brasileira.

Por Maurício Pestana Do Uol

A origem do samba está relacionada aos antigos batuques trazidos pelos africanos que vieram escravizados para o Brasil. Estes ritmos, em geral, associados a elementos religiosos, funcionavam como uma forma de expressão musical e de dança, com percussão e movimentos do corpo. Aos poucos, o ritmo incorporou novos elementos, recebendo influência de outras músicas e criando diversas vertentes dentro de um mesmo estilo. O gênero, que é fruto de nossas raízes africanas,  como toda manifestação popular, por muitos anos existiu na marginalidade e foi relegado a um segundo papel pela elite branca do Brasil.

No entanto, com a nova organização da sociedade brasileira, o samba desce do morro da marginalidade. De uma manifestação que remontava à escravidão, chegou às áreas urbanas dos bairros cariocas e começou a ser valorizado pela intelectualidade do Rio de Janeiro, conquistando espaço na imprensa e rádio, com as décadas de composições e interpretações memoráveis.

Ganha novos contornos com o fenômeno Carmem Miranda e seu Tico-Tico no Fubá. Mas ainda é algo exótico. Foi com a Bossa Nova que o samba atingiu a classe média branca brasileira, se caracterizando definitivamente como um produto de exportação: é o jazz brasileiro que, ao lado das escolas de samba e Carnaval, mostrou sua cara para o mundo. São alguns marcos como esses que transformaram o samba em um verdadeiro patrimônio cultural brasileiro.

Hoje, no centenário, além de reconhecido mundialmente, o samba é considerado uma das principais manifestações populares no país. Mais do que isso, trata-se de um negócio, que movimenta uma parcela significativa da economia, como o turismo e entretenimento, gerando milhares de empregos diretos e indiretos. Um exemplo é a grandiosidade do Carnaval do Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador, só para a citar algumas capitais do país.

Sobre esta questão econômica em especial, tive a oportunidade levantar a discussão em um seminário que promovemos na Secretaria Municipal de Promoção da Igualdade Racial, intitulado o “Samba como Negócio”. Se o ritmo agora é admirado e consolidado no mercado da indústria fonográfica, a enorme cadeia produtiva que o gênero produz não necessariamente tem o seu lucro compartilhado com quem ajudou a construí-la, os negros.

Assim como ocorreu com o jazz nos Estados Unidos, o muro que separava o samba da elite, classificando-o como música de pretos e pobres foi atravessado. Agora precisamos lutar para conquistar outros espaços e fazer com que o respeito e admiração também sejam sinônimos de políticas de desenvolvimento econômico para aqueles que o criaram. O samba movimenta corações. Mas também a economia, sendo um meio de vida para muitos brasileiros. Precisa ser ainda mais valorizado.

+ sobre o tema

Lançamento do livro/CD/DVD ‘O Jongo do Tamandaré’

    Saiba Mais:  Jongo Cacuriá AS DANÇAS...

Gal Martins: O movimento que faz a diferença

Como Gal Martins levou a linguagem da dança contemporânea...

Sessão solene pelo centenário do “Sambista Pé Rachado”

O sambista Pé Rachado se vivo completaria 100...

para lembrar

Documentário aborda preconceito contra cantoras negras no Heavy Metal

  Um novo vídeo jornalístico da Global Television foca...

A música política do Rapper Azagaia – por Joseh Silva

Em letras de enorme sucesso, e num estilo que...

Cinema de cabelo duro

"Pelo Malo" traça vasto panorama da sociedade venezuelana...
spot_imgspot_img

Em autobiografia, Martinho da Vila relata histórias de vida e de música

"Martinho da Vila" é o título do livro autobiográfico de um dos mais versáteis artistas da cultura popular brasileira. Sambista, cantor, compositor, contador de...

Como as escolas de samba nos ensinam sobre ancestralidade

Desde que foram criadas, escolas de samba têm sido espaços de ensino e aprendizado. Carregam no nome a sua missão: ser escola. Ensinam sobre...

Samba, amor e Hip Hop

A quem nunca viu o samba amanhecer, Geraldo Filme aconselhava que fosse ao Bixiga para ver, ao quilombo da Saracura, à sede da Vai-vai....
-+=