Aparelha Luzia, um território de resistência negra na capital paulista

Prestes a comemorar um ano de atividades, espaço difunde a produção artística e política da comunidade negra em São Paulo. Aparelha faz parte de um histórico de locais de resistência negra.

Por Pedro Borges Do Almapreta

O ritual de abertura da Aparelha Luzia é o mesmo todos os dias. Erica Malunguinho apresenta a casa, as pessoas que a compõem, e enfatiza que o local não é um bar ou um restaurante. Para ela, criadora e gestora do espaço localizado no bairro da Barra Funda, o Aparelha é fruto de uma resistência histórica da comunidade negra.

“A Aparelha eu vejo como resultado e consequência de uma historicidade negra. Ela é fruto da Revolta dos Males, do Movimento Negro Unificado (MNU), do Teatro Experimental do Negro, dos Palmares, fruto de uma vasta história. Então quando as pessoas adentram esse espaço, principalmente as não negras, elas precisam saber que é disso que estamos falando”, explica.

Para Malunguinho, o espaço que foi inicialmente concebido como um ateliê, se tornou local de aprendizagem e fortalecimento da comunidade negra a ponto de transformar as pessoas que o frequentam. “Esse lugar me transforma, assim como toca todas as companheiras que estão aqui todos os dias como Malu Avelar, Marcia Izzo, Alessandra Souza, Juliana Santos (Lilica), Fernanda Alves e Julio Cesar Ribeiro, Valéria Alves e Julia Souto. Isso é visível. E eu vejo que as pessoas que começam a vir aqui também passam por esse processo de transformação”.

Um dos fator que explica a metamorfose dos frequentadores é a diversidade das pessoas que convivem no ambiente. Músicos, artistas, intelectuais, poetas, ativistas das mais diversas áreas, moradores do bairro, gente que vem de longe, pessoas que por meio da troca de experiências e saberes concretizam a Aparelha como espaço de resistência, onde a ancestralidade negra é valorizada e vivida.

A mudança também se estende para as pessoas não negras que visitam a Aparelha. Lugar onde a hegemonia branca não é praticada, como nos demais territórios, a atmosfera possibilita o contato com uma sociedade mais próxima da real, em que negras e negros circulam por espaços culturais e políticos. “Não é incomum as pessoas não negras pararem ali e se chocarem quando veem esse mar de magia negra, de negritude. Coisa linda”.

A reintegração de posse na Barra Funda

Regiões centrais da cidade de São Paulo, como o Bixiga e a Barra Funda, eram áreas compostas por uma maioria de negras e negros. Os anos de políticas higienistas e de forte especulação imobiliária retiraram esse grupo desses bairros.

Em 2015, a Prefeitura de São Paulo apresentou um mapa com a divisão racial dos diferentes distritos do município. As subprefeituras da Lapa e da Sé, aquelas que cobrem parte da região central e da Barra Funda, têm pequena quantidade de negros, 15,4% e 20,5%, respectivamente, contra 37% dos paulistanos que se autodeclaram pretos ou pardos.

Apesar da menor quantidade de negros se comparado ao contingente do início do século 19, os relatos e as memórias de décadas passadas ainda persistem, afirma Erica. Ela diz ser comum receber pessoas que param em frente à Aparelha Luzia e contam suas histórias naquela região. “O Oswaldo de Camargo, escritor que acabou de completar 90 anos, falou que também morou nessa rua com o Solano Trindade. Essa rua é cheia de Axé. Esse território é cheio de Axé! A história do samba paulista tem laços profundos com a Barra Funda, com essa região”.

Samba

Considerada por muitos como o berço do samba paulistano, a região da Barra Funda recebia na década de 20 encontros de sambas de roda, roda de capoeira e serestas. O bairro, que aparece nas composições de sambistas consagrados como Geraldo Filme, foi o berço do primeiro cordão carnavalesco paulista, fundado por Dionísio Barbosa. Apesar do início do bloco datar 1914, foi somente em 4 de Setembro de 1953, que Inocêncio Tobias fundou de maneira oficial o Grêmio Recreativo Escola de Samba Mocidade Camisa Verde e Branco.

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