Depois da polêmica com feministas e do mal-estar ocorrido na reunião passada do Conselho Nacional de Saúde, o governo federal decidiu retirar da Medida Provisória que cria o cadastro de gestantes um artigo que fazia referência aos direitos do nascituro. A retificação, que saiu na sexta-feira, 27, no Diário Oficial da União, ajudou a acalmar os ânimos, mas ainda não conseguiu satisfazer os movimentos sociais.
“O ideal seria tirar toda MP “, afirmou a coordenadora executiva do movimento Católicas pelo Direito de Decidir, Rosângela Talib. Um desfecho que o governo evita a todo custo, de olho principalmente em preservar um dos benefícios criados pela Medida Provisória – o auxílio de R$ 50 para o deslocamento das gestantes até as consultas de pré-natal e ao local em que será realizado o parto. Como é ano eleitoral, a criação do benefício não poderia ser proposta numa MP editada agora.
A decisão de subtrair o ponto considerado mais polêmico foi tomada pela Presidência da República a pedido do Ministério da Saúde, informou o secretário de Atenção da pasta, Helvécio Magalhães. E foi anunciada pela presidente Dilma Rousseff na quinta-feira, 26, durante uma reunião com representantes de movimentos sociais. “Ela acaba com um mal-entendido em torno do assunto”, disse o ministro da Saúde, Alexandre Padilha.
Publicada no dia 28 de dezembro, a MP determina a criação de um banco de dados com informações sobre grávidas e sobre atendimento prestado, principalmente àquelas consideradas com gestação de risco. A ideia visa a melhorar o acesso das gestantes à assistência de qualidade e a responsabilizar diretores dos serviços por eventuais falhas de atendimento.
Referência. Desde a sua edição, movimentos sociais apontaram falhas no dispositivo – todas encampadas pela maioria dos integrantes do Conselho Nacional de Saúde. A primeira delas é a referência ao direito ao nascituro – uma brecha, avaliam, para que obstáculos sejam colocados à interrupção da gravidez, mesmo nos casos previstos em lei.
Mesmo dentro do governo, a inclusão do tema havia sido criticada. “Pode parecer paranoia, mas não é”, afirmou Elizabete Saar, da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, durante um relato pessoal feito na reunião do conselho. Ela disse ainda considerar que o assunto deveria ter sido melhor debatido, o que teria evitado um desgaste desnecessário para o próprio governo.
A falta de discussão sobre o assunto também foi criticada por representantes dos movimentos sociais. E, sobretudo, pelo fato de o texto ter sido editado no formato de Medida Provisória. “Foi uma punhalada pelas costas”, definiu a conselheira Lurdinha Rodrigues, durante a reunião realizada na quarta-feira passada.
Nessa reunião, o grupo tentou pedir a retirada total da MP, mas foi convencido pelo ministro da Saúde, também presidente do conselho, a adotar uma medida mais branda. Eles decidiram criar um grupo de trabalho, com prazo de 15 dias para avaliação do texto.
Avanço. Esse grupo vai continuar a discussão, afirmou Jurema Werneck, do Grupo Crioula. “O reconhecimento do erro foi um avanço. A retirada do termo foi importante, mas isso não invalida outros temas que precisam ser debatidos”, afirmou. Entre eles está a própria criação do cadastro.
A ideia, de acordo com Padilha, é inspirada numa iniciativa realizada em Cuba para tentar reduzir a mortalidade. “Esse banco não resolve o problema”, afirmou Lígia Bahia, representante no conselho da Associação Brasileira de Saúde Coletiva. “Isso só vai resolver quando estudantes de Medicina deixarem de fazer partos sozinhos, quando houver assistência pré-natal de qualidade, quando a mulher não precisar ouvir da equipe médica que tem de voltar para casa porque ainda não chegou a hora do parto ou peregrinar de hospital em hospital para saber se há vagas de atendimento.”
Miranda afirmou que as conclusões do grupo de trabalho poderão ser apresentadas num segundo momento para o relator da MP.
Fonte: Estadão