Apostas viram epidemia e pautam voto dos jovens

A 'juventude bet', como passo a chamar, brotou da falta de políticas públicas dirigidas, de um mercado de trabalho precário

Tão real quanto as chamas que destroem e a fumaça que varre territórios é a epidemia de apostas que assola o Brasil. A prática, que se expande em progressão geométrica, já produz reflexos na economia, na saúde e na política. É onda que alcança, principalmente, a juventude. Dos 52 milhões de brasileiros, predominantemente homens de baixa renda, que já efetuaram apostas esportivas em sites ou aplicativos, quase 21 milhões (40%) têm de 18 a 29 anos, segundo pesquisa realizada, no início de agosto, pelo Instituto Locomotivas. São moços que jogam por dinheiro, não por diversão. Imaginam a paixão e o conhecimento sobre futebol como ofício ou alternativa de investimento. Por impulso e perspectiva de prosperidade fulminante, também escolhem candidato a prefeito.

Nesta semana, a pesquisa Quaest para a Prefeitura de São Paulo mostrou crescimento das intenções de voto em Pablo Marçal (PRTB) na faixa etária de 16 a 34 anos, até então fortemente conectada a Guilherme Boulos (PSOL). Em agosto, era de 22% a proporção de jovens que declaravam voto em Marçal; passaram a 31% em setembro. O percentual do candidato de esquerda tomou o sentido inverso: saiu de 27% para 19%. Sugere a migração da sonhática calmaria para a (expectativa de) prosperidade galopante. Uma aposta carregada de adrenalina no “candidato bet”, aquele que promete riqueza fácil e rápida pela via do empreendedorismo e da fé, não necessariamente religiosa. Coisa de coach.

— Parece que Marçal traz à cena uma juventude cristã/evangélica que se empolga com a ideia de resolver a vida autonomamente. É menos uma mudança de lado em relação ao Boulos, mais uma juventude que se anima com a perspectiva de prosperidade, de autonomia, de poder decidir sobre si mesma. Marçal aciona esse grupo por meio da linguagem, da gramática religiosa. Apresenta-se como aposta muito potente no novo — analisa o teólogo Ronilso Pacheco, do Instituto de Estudos da Religião (Iser).

Não há pesquisa acadêmica a embasar a hipótese, mas ao jornalista cabe agrupar pontas soltas e provocar reflexões. A “juventude bet”, como passo a chamar, brotou da falta de políticas públicas dirigidas, de um mercado de trabalho que a confina à informalidade, aos baixos rendimentos, à escassez de oportunidades. No segundo trimestre, segundo o IBGE, a desocupação dos brasileiros de 18 a 24 anos foi de 14,3%, mais que o dobro da taxa nacional (6,9%). Um em cada cinco habitantes de 15 a 29 anos não estuda nem trabalha. São 9,6 milhões, a maioria mães adolescentes que precisaram abandonar a escola para assumir tarefas domésticas e de cuidado com filhos.

A partir da pandemia da Covid-19, assistimos à multiplicação do número de motoentregadores, predominantemente jovens periféricos submetidos a jornadas exaustivas, mal remunerados e sem rede de proteção social, mas que se veem, em larga medida, como empreendedores. São conectados, têm desejo de prosperar e de administrar o próprio tempo, valioso ativo. Vivem sob o impulso da aposta.

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