Arrimo

FONTEPor Onilia Araújo, enviado ao Portal Geledés
Onilia Araújo (Foto: Arquivo Pessoal)

Arrimo. Repete essa palavra, experimenta as silabas saindo uma a uma da sua boca (AR-RIMO). Sente a sonoridade. ARRIMO, que palavra esquisita é essa gente!?  Separação silábica esquisita, som esquisito, sentido esquisito. Arrimo substantivo masculino… (só podia ser) peça ou lugar em que alguém ou alguma coisa se encosta ou se apoia; encosto, apoio. “o espaldar da cadeira serviu-lhe de a.” …definição encontrada em uma pesquisinha rápida na web. 

Guarda aí a palavra esquisita, hoje quero falar com você sobre contos de fadas. Era uma vez uma princesa. Ela vivia num castelo, num castelo de onde não podia sair para trabalhar sem a autorização expressa do seu dono – opa! -, seu rei. Rei de um reino herdado sob o nome de capitanias hereditárias (hereditária, herança…essa palavra…me dá uma sensação ruim…tipo mau agouro, sabe). Reino este onde ela não podia votar, nem gerir seu patrimônio, nem bradar “meu corpo, minhas regras”, já que dentro do matrimônio não existia estupro e o assassinato era um meio aceitável (outra palavrinha que me causa estranheza) de limpar a honra. 

Tudo isso para dizer, relaxa irmã! É totalmente natural você pensar que não tinha jeito pra finanças e eu chego aqui atrapalhando suas convicções e você pensa… tipo… “que saco, lá vem a Onilia de novo com aquelas simplificações de conceitos econômicos que me fazem pensar: Jesus, por que não pensei nisso antes? Como fui bocó!” De novo, relaxa irmã: você é resultado de um sistema que por muito tempo foi vendido como conto de fadas, mas na real era puro Hitchcock.  

E o pior, menina, é que tem mulher que ainda acredita no conto de fadas e continua investindo na persona bela, recatada e do lar. Não julgo! Que sejam felizes! (Me benzi aqui… risos… mas joguei vibrações de amor, juro).  

Voltando, esse acreditar, eu até acho bonito, porque apesar de todas as mazelas do sistema patriarcal (sim, foram os homens os donos de tudo), ele ensinou as pessoas brancas sobre o “amar”. Amar seu príncipe no cavalo branco. Amar a si mesmas como modelos estéticos de beleza e ideal feminino. Amar sua prole linda e de bochechas rosadas. 

Rebobinando o texto, imagine o conto de fadas da mulher preta. Imagine o conto de fadas da minha bisavó, da minha avó, da minha mãe. Numa cronologia até os dias de hoje, imagine o conto de fadas das mulheres pretas, provedoras de 75% dos lares mais miseráveis do país. 

Esse texto é uma tentativa de resposta à provocação de uma querida amiga… Ela disse: escreve sobre como ser “arrimo” de família sem se comprometer financeiramente. E eu pensei: Caraca…não tenho resposta.   

Só sei que naquela pesquisa na web, arrimo, em sentido figurado também é “indivíduo ou situação que pode servir de auxílio, proteção, apoio afetivo”. E que, em 1º de dezembro de 1955, Rosa Parks, uma costureira negra norte-americana, arrimo de família, se recusa a ceder o lugar a um homem branco nos Estados Unidos, acaba presa… mas livre está, livre está…parei 

No conto de fadas patriarcal, nossos donos não nos ensinaram, ou melhor, não permitiram o “amar”, mercadoria não tem alma.  

Ser arrimo é apoio afetivo, é amor negro, é auto amor. Os protocolos econômicos são outros. 

Salve Dandara, Salve Zumbi


Onilia Araújo é contadora, multiempreendedora, ativista feminista, LGBTQ+, mãe do Pietro e luta pela valorização e desenvolvimento econômico do povo negro. É fundadora da I.CON (Inovação Contábil), sócia da Lanceiros Tech, empresa de prototipação de negócios digitais formada por pessoas pretas/periféricas, diretora da Odabá – Associação de Afroempreendedorismo e co-fundadora da MIMA, um lab de experiência feminina em criptoativos.

** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE.

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