As vozes da diversidade ainda não ganharam espaço suficiente nas grandes empresas

No Brasil, temos o hábito de pensar que todo preconceito é direto, agressivo, claro e evidente, mas não é verdade. Na maioria das vezes, a zona é cinzenta

Por Liliane Rocha, Da Época Negócios

LILIANE ROCHA - mulher negra, de cabelo na altura dos ombros, vestindo camiseta branca- sentada com um microfone na mão
LILIANE ROCHA (Foto: Imagem retirada do site Época Negócios)

Mulher, negra, 37 anos, 1,68 de altura, 68 quilos. Uma pinta no rosto à direita. Camisa branca, calça branca e preta com estampa africana. Estranhou? Foi assim que comecei a minha fala em um grande evento promovido pela Câmara Americana de Comércio (Amcham Brasil), na semana passada: o Fórum de Diversidade e Inclusão, falando sobre Existência e Resistência.

A narrativa foi um “para cego ver” que permitiu a inclusão das pessoas com deficiência visual que estavam na plateia. Dessa forma, elas sabem como é o interlocutor.

São posturas, gestos e ações muito simples que nos fazem ser mais inclusivos e ajudam a ecoar vozes de diversidade. Como diz a letra da música de Elza Soares – também presente no evento – “a minha voz uso para dizer o que se cala”. Neste sentido, o que podemos assimilar é que um movimento propositivo em relação à diversidade e inclusão a partir de posicionamentos nem sempre é fácil, mas sempre é necessário.

Neste encontro maravilhoso, fui mediadora de um painel com a mulher, trans, preta, Yasmin Victoria e o Caio Carvalho, pessoa com deficiência visual. Junto com eles, falei das pessoas que existem, que compõem a demografia da sociedade brasileira, mas que nem sempre estão presentes.

A Yasmin fez uma fala incrível e extremamente real: “Existem pessoas que praticam violências cordiais, achando que não estão sendo LGBTfóbicas ou racistas. Mas, de uma forma cordial, estão sendo as piores pessoas do mundo.” No Brasil, temos o hábito de pensar que todo preconceito é direto, agressivo, claro e evidente, mas não é verdade. Na maioria das vezes há uma nébula que torna a zona cinzenta. Ao menos para aqueles que dizem não saber se o preconceito ocorreu ou não.

Dentre 200 milhões de brasileiros, temos 52% da população formada por mulheres, 58% são negros. Entre 24% ou 7% da população – a depender do estudo de base – é composta de pessoas com deficiência. E ainda, segundo a escala Kinsey da década de 50 (subestimada, na minha opinião), ao menos 10% da população é homossexual.

Na mesma semana, calou-se a voz da menina Ágatha Félix. Voz que poderia ecoar para diversas outras meninas negras e periféricas. Fazendo uma analogia ao “para cego ver”, Ághata, menina negra que tinha um brilhante futuro pela frente. Como ela é? Desculpe não sei, pois apagaram a sua história. Parece simples, mas quando focamos nas estatísticas que mostram que o Brasil mata um negro a cada 23 minutos, fica bastante pesado! E por isso, cada vez mais, precisamos de vozes ecoando em defesa da diversidade e inclusão.

Tenho comentado que naturalizamos essas questões por desconhecimento ou desinformação. Que “empatia, diálogo, conhecimento dos nossos vieses, respeito e prática” diários ajudariam, mas confesso que uma pergunta que a Elza Soares fez durante sua conversa com a jornalista Luciana Barreto me chamou a atenção. Será que estamos com medo? Medo de falar sobre direitos? Medo de falar sobre igualdade? Medo de falar sobre respeito? A resposta da própria Elza foi marcante: “O medo tem que ter medo da gente”. Ou seja, o medo não pode nos limitar, o medo não pode nos impedir de construir um mundo mais justo.

Destaco também outras vozes ecoadas pela valorização da diversidade nesta mesma semana. O Ministério Público do Trabalho, liderado pela Dra. Valdirene de Assis, firmou o imprescindível Pacto de Inclusão Social de Jovens Negras e Negros no Mercado de Trabalho, assinado por 15 das maiores agências de publicidade do país.

Lá, ecoamos reflexões sobre a ausência de profissionais negros nos quadros funcionais das agências de publicidade. Um dos presentes comentou que, segundo dados do CAGED, somente 13% do total de profissionais da área são negros. Na ocasião, as agências ali presentes estavam definindo metas de contratação de pessoas negras até 2021. Outra fala marcante: “temos aqui uma sala com 150 pessoas, sendo que 80% dela é composta por negros. Hoje estamos fazendo algo histórico em nosso país”.

Em meio a toda essa efervescência, ainda visitei a planta industrial de algumas empresas de diversos segmentos. E lá, ao contrário do que observei nestes dois encontros, menos de 10% dos presentes eram mulheres, negros e pessoas com deficiência. Não foi possível ter clareza da presença de homossexuais e transgêneros.

Então pensei que as vozes que ecoam nos movimentos de diversidade nos rincões, ou em eventos maravilhosos como da Amcham e do MPT, vozes de pessoas negras brilhantes, vozes de mulheres incríveis, vozes de pessoas com deficiência geniais, vozes de homossexuais e transgêneros que expressam uma intelectualidade profunda, ainda não ganharam espaço suficiente e mais do que merecido nas grandes empresas.

Com isso, peço um minuto de silêncio para que você deixe ecoar a sua voz interior e pense sobre sua responsabilidade com a mudança desse cenário com pouca representatividade dessas pessoas em suas equipes. Assim, juntos poderemos ecoar nossas vozes para todos os lugares.

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