Assaltante, capanga: personagens de Babu mostram racismo na TV e no cinema

Babu Santana interpretou Tim Maia Imagem: Reprodução/Instagram

Assaltante, bêbado, arrombador, capanga. Esses são alguns dos personagens atribuídos ao ator e cantor Alexandre da Silva Santana, o Babu, em novelas, filmes e séries em que ele trabalhou. Babu, que está no “Big Brother Brasil”, ganhou duas vezes o Prêmio Grande Otelo (melhor ator coadjuvante e melhor ator), um dos mais prestigiados do cinema brasileiro.

Por Kelly Ribeiro, do UOL

Babu Santana interpretou Tim Maia
Imagem: Reprodução/Instagram

A forma como ele foi creditado em grande parte de seus papéis chamou a atenção da internet e levantou o debate sobre como atores negros ainda são postos dentro de estereótipos raciais, mesmo que já tenham alçado certo prestígio na carreira, como é o caso de Babu.

O ator de 40 anos cresceu no Morro do Vidigal, na zona sul carioca, onde deu início à carreira, no Grupo de Teatro Nós do Morro, em 1997. Antes disso, já tinha sido eletricista, faxineiro, pedreiro e havia trabalhado em barracas na praia de Ipanema, também na zona sul, para ajudar a família. Seu primeiro papel na TV foi em 2001, como o personagem José, em Malhação (Globo).

Conhecido principalmente por interpretar Tim Maia na cinebiografia do cantor (2015), ele tem ainda no currículo participações em filmes como “Cidade de Deus” (2002), “Meu Nome Não É Johnny” (2008), “Estômago” (2007) e “Maré – Nossa História de Amor” (2008), além dos recentes “Café com Canela” (2017) e “Praça Paris” (2018). Também tem participações em novelas e séries como “A Grande Família”, “A Diarista”, “Da Cor do Pecado” e “Caminho das Índias”.

Pesquisando essas participações, de fato, não passa despercebido o padrão nos papéis para os quais Babu foi escalado, seja como criminoso ou policial/guarda. Em especial, antes de ele interpretar Tim Maia. Não à toa, o próprio ator já foi questionado sobre a “coincidente” repetição, em entrevista à Globo Filmes.

“Embora tivessem atividades semelhantes, eram personagens com complexidades e aspectos humanos diferentes. Mas isso se deve à nossa sociedade, que vê um bandido ou um policial como um cara alto, truculento, com cara mau e negro. Há uma associação entre a violência e a imagem dos negros e de pessoas dos guetos. Então, tenho o visual perfeito para esses personagens”, afirmou.

A diretora e roteirista Renata Martins foi uma das que observaram a repetição de papéis e levantou a questão em sua conta no Twitter. Em entrevista ao UOL, ela afirma que ainda que tenha havido uma mudança real nos últimos 15 anos, principalmente por conta da atuação de movimentos negros e estudantis, eles mudam pouco ou quase nada a estrutura do mecanismo cinematográfico.

“Muitos profissionais ainda estão desempregados ou trabalham para grandes empresas em funções menores e não conseguem dar vazão aos seus projetos autorais.”

Além da experiência em cinema, Renata também realiza trabalhos na TV, entre eles o roteiro da premiada série “Pedro & Bianca”, ganhadora do Emmy em 2013. Ela reitera que, no caso da televisão, a situação era ainda mais crítica e só há poucos anos a inclusão racial passou a ser uma preocupação real de algumas emissoras.

“Mesmo a passos lentos, iniciou-se um mapeamento de profissionais negras atuantes no mercado audiovisual, aliado a oficinas e laboratórios de narrativas”, revela.

Esse cenário possibilitou que mais profissionais negros tivessem oportunidade de contar as próprias histórias e, a partir daí, mostrar os multiversos que envolvem a negritude e o “ser negro” no Brasil. Ainda assim, o caminho é longo. Segundo pesquisa da Ancine (Agência Nacional do Cinema), em 75,3% dos longas nacionais, os negros são, no máximo, 20% do elenco. Enquanto homens brancos ainda são maioria entre os diretores (75,4%), produtores (59,9%) e também nos elencos.

Para Renata, uma mudança no quadro é possível, mas só virá por meio da perda de audiência e da entrada de novas empresas no país, por exemplo. Conforme o brasileiro se conecta a debates relacionados às representações de gênero e raça, ele pode abandonar narrativas repetitivas e se propor a algo novo.

“É urgente criar produtos audiovisuais feitos por profissionais diversos. Não para que os produtores, em sua maioria homens cisgênero e brancos, durmam tranquilos achando que o racismo acabou, mas pelo simples fato de que um produto refletido por olhares distintos tem mais chances de chegar a um número maior de telespectadores e corre menos risco de reiterar estereótipos racistas.”

De volta a Babu, a filmografia do ator e cantor tem mais de 60 produções e ainda assim não foi suficiente para garantir a ele estabilidade financeira, considerando que o ator aceitou participar do “BBB” justamente por estar endividado e para ganhar visibilidade, pensando em trabalhos futuros. Um lembrete importante de que o racismo ainda se manifesta de diferentes formas —explícita ou velada— na sociedade brasileira.

No dia 10 de setembro, Babu Santana estreia o longa “Intervenção”, de Caio Cobra, ao lado de Marcos Palmeira, Bianca Comparato e Zezé Motta.

-+=
Sair da versão mobile