Durante a campanha eleitoral para deputado nos EUA, republicanos do Arizona tinham como lema: “Ajude a tirar Gabrielle Giffords de seu cargo. Dispare um (fuzil) M16 carregado com Jesse Kelly (seu adversário)”.
Sábado passado, Jared Lee Loughner, de vinte e três anos, crítico obcecado dos democratas, efetuou aproximadamente vinte disparos, no momento em que a deputada Giffords se reunia com eleitores em um supermercado em Tucson, Arizona.
O saldo da tragédia não tem ainda números fechados: seis mortos, inclusive uma criança, e a própria deputada em estado grave após receber um tiro na cabeça.
Os disparos ecoaram muito além do Arizona. O Congresso norte-americano paralisou suas atividades, no esforço de tentar reduzir o tom do confronto político que, supõe-se, tenha desencadeado a violência.
As maiores atenções da política norte-americana se dirigem ao movimento ultraconservador Tea Party, que tem como um de seus ícones, Sarah Palin, candidata derrotada à vice-presidência pelo partido republicano nas últimas eleições.
É consenso na política americana, a virulência verbal deste movimento ultraconservador, inclusive pelo emprego de tom fortemente acusatório e lastros em questões morais e religiosas.
O estímulo ao ódio está tão presente no país que analistas americanos estão comparando o momento atual à década de 60, quando foram assassinados o presidente John Kennedy, seu irmão, o senador Robert Kennedy e o líder de direitos civis, Martin Luther King.
Mesmo depois da tragédia, Sarah Palin mantinha em seu site as indicações dos principais “alvos a serem abatidos” entre os democratas, mapa que constrangedoramente contava ainda com a figura da deputada democrata do Arizona.
Que a crítica contra a deputada já descambava para a violência, nem era fato desconhecido. O comitê de Giffords havia sido vítima recente de vandalismo e pessoas armadas foram flagradas em seus comícios. Era apenas uma questão de tempo.
É certo que não se pode acusar automaticamente a republicana pela apologia, em razão do infeliz uso da metáfora militar. O desequilíbrio emocional do atirador provavelmente está além das razões do Tea Party.
Mas é evidente que o recrudescimento do discurso estimula e muito a incorporação da violência no cotidiano da política -e este é o grande temor demonstrado pelos norte-americanos nos dias que seguiram à tragédia.
Atiradores a esmo são comuns nos Estados Unidos -e até o momento não parecem ter sido importados pelo Brasil.
Mas a virulência na discussão política não tem nada de desconhecido para nós.
A recente campanha eleitoral brasileira foi recheada da violência verbal típica do Tea Party.
O tom do debate foi de desconstrução, sendo Dilma, em especial, vítima de uma avalanche de correntes de falsos e-mails ofensivos e altamente provocativos. A campanha foi recheada de temas religiosos, estimulando não apenas o preconceito, como também o fanatismo. A hoje presidenta conviveu com a insígnia de “terrorista” por toda a eleição e é comum que assim ainda seja chamada em mensagens digitais.
Tanto radicalismo não se mostrou inócuo.
Após a eleição, um surto de mensagens virais no Twitter estimulava o ódio regional, apontando-se o nordestino como culpado pela vitória de Dilma, com base em imprecisas interpretações dos resultados eleitorais.
A xenofobia ressuscitou, inclusive, um movimento antimigratório que pouco fica devendo à causa hitlerista – São Paulo para os Paulistas.
Coincidentemente, as ameaças à deputada democrata americana chegaram ao auge justamente quando ela se opôs com vigor à lei do Arizona, que passou a tratar o imigrante ilegal como um criminoso.
É fato que a xenofobia tem sido prato indispensável do cardápio de quase todos os partidos conservadores mundo afora.
Mas os paralelos não param aí.
O jornalista americano Mark Weisbrot, em artigo publicado na Folha de S. Paulo durante a campanha eleitoral, comparava a estratégia tucana, que abandonou a discussão econômica para se centrar em temas religiosos, como uma frustrada importação das táticas recentes dos republicanos nos EUA.
O cipoal de mensagens no Twitter no dia da posse, estimulando que um “atirador de elite” matasse Dilma Roussef, pode indicar que os subprodutos do terrorismo eleitoral também vieram na bagagem.
O clima apocalíptico exposto durante a campanha, a violência verbal que ultrapassou em muitos graus a divergência política, a criação de inimigos a serem abatidos ou eliminados, vem sendo apropriados por quem pretende transformar a política em guerra.
O terrorismo eleitoral sempre apresenta a eleição como uma antecâmera do fim do mundo, insuflando e mobilizando o desespero alheio.
A virulência das manifestações nas redes sociais não é apenas um sintoma de acirrada disputa política, que faz bem a toda democracia. Mas da substituição do debate pela agressão, do argumento pela desqualificação, da dialética pelo xingamento, características marcantes do que já se universalizou como “troller” -aquele que propositadamente puxa a discussão para baixo, fazendo com que a confusão a anule.
Quando a discussão é substituída pela ofensa rasteira, quando a disputa eleitoral é incorporada no discurso militar, quando o medo é o argumento central da política, a violência dificilmente deixa de ser parceira.
Fonte: Terra