Atlântico negro por Castiel Vitorino Brasileiro

O que há de África em Brasil? O que há de Brasil em África? Águas. Águas atlânticas que em sua composição contém afetos e memórias, das travessias africanas em direção a este território que hoje nomeamos de Brasil. Este mar contém desejos sudaneses, bantos e brasileiros de ir e de voltar. Desejos bantos-brasileiros-sudaneses. Contém medo, incertezas, lágrimas de tristeza e de saudades. Este mar é reservatório de um passado que se atualiza cotidianamente em singularidades negras diaspóricas. O Atlântico é negro, e eu me produzo nele.

Por Castiel Vitorino Brasileiro para o Portal Geledés 

série “Ouço o mar”, fotografia de Rodrigo Jesus

Sou essa água salgada, que sara feridas de corpos com peles subalternizadas. Sou esse mar poliglota, que grita segredos dos colonizadores, que escuta o clamor dos sequestrados, e que acolhe os negros desamparados; que reclamam da sede de ancestralidade. Meu corpo é transatlântico, intersecciono bairros, cidade, países e continentes. Minha etnia é diaspórica, sou uma banto-capixaba-brasileira. Sou negra, sou bixa, sou latina. Sou uma bixa-banto-brasileira. Meu corpo é aquático e fronteiriço, hábito a fronteira entre África e Brasil: o mar.

O mar sentiu o peso dos navios negreiros repletos de africanos sequestrados, roubados, raptados. E é neste mesmo mar atlântico onde, na terceira diáspora, criam-se negritudes emancipadas de traumas e desejos coloniais. O mar é a máxima expansão da água que nos compõe.

Todo negro precisa saber nadar, para compreender a diferença entre náufrago e mergulho.

 

Castiel Vitorino Brasileiro é artista visual, estudante de Psicologia na Universidade Federal do Espírito Santo, e
integrante do Coletivo Kuirlombo.

 

** Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do PORTAL GELEDÉS e não representa ideias ou opiniões do veículo. Portal Geledés oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.

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