A ausência de escritores negros na mesa principal da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) foi motivo de críticas ao evento nas ruas do centro histórico de Paraty e também nas mesas alternativas em que esses autores estiveram presentes. A festa começou na última quarta-feira (29) e as últimas mesas de debates foram realizadas ontem (3).
no Brasil 247
No debate “De onde eu escrevo”, promovido pelo Itaú Cultural no primeiro dia do evento, a escritora Conceição Evaristo apresentou suas críticas diretamente ao curador da festa, Paulo Werneck, que estava na plateia. Werneck já havia comentado o assunto e afirmado que a organização tentou convidar autores negros e não conseguiu trazê-los.
A resposta, porém, não satisfez a autora. “Esse é um dos momentos que poderiam estar contribuindo [para dar visibilidade]. Na medida em que as outras formas não são consideradas, não sao lidas, não são divulgadas e não são incorporadas ao sistema literário brasileiro, fica uma lacuna, porque a literatura tem essa possibilidade de ler a nação. Se não lemos todos os passos criativos da nação, estamos lendo uma nação em pedaços, estamos lendo uma nação incompleta”, afirmou em entrevista às Rádios da EBC.
A falta de autoras negras motivou uma carta aberta do Grupo de Estudos e Pesquisas Intelectuais Negras/UFRJ, que chama a festa de Arraiá da Branquidade e considera que a posição da Flip naturaliza o racismo.
“A não procura de planos a, b, c diante destas supostas recusas relaciona-se à falta de compromisso político da Flip com múltiplas vozes literárias nacionais e internacionais”, diz um trecho da carta aberta, que vai além: “em um país de maioria negra e de mulheres, portanto de maioria de mulheres negras é um absurdo que o principal evento literário do país ignore solenemente a produção literária de mulheres negras como Carmen Faustino, Cidinha da Silva, Elizandra Souza, Jarid Arraes, Jennifer Nascimento, Livia Natalia e muitas outras.”
O ator e escritor Lázaro Ramos, que participou da Flipinha – programação destinada à literatura infantil –, defendeu que é preciso não se calar diante da ausência de negros em todos os espaços da sociedade.
“Primeiro, [é preciso] falar sobre esse assunto”, disse. “Acho que tem que se queixar e reclamar mesmo e aprender também a valorizar. Às vezes, a gente fala da inserção do negro como se fosse uma questão de reparação. Eu inverto um pouco isso: é uma questão de saber do valor que isso tem, do prazer que podem nos proporcionar e da qualidade desses profissionais, que é grande e que precisa também ter espaço”.
Diversidade
Ao longo do evento, mesas alternativas debateram o tema, que voltou a ser comentado na coletiva de encerramento da Flip. O curador defendeu que a feira tem diversidade e lembrou que o número reduzido de mulheres em outras edições também foi motivo de questionamentos e cresceu a partir do debate, “que abriu seus olhos para certos entraves” que impediam que mais autoras participassem do evento.
“Não sabia como era, porque um autor recusa um convite. Existem muitas razões e algumas podem ser contornadas”, disse o curador, que admitiu que é preciso conhecer mais autores. “Não vou me cansar de dizer isso: não tem outra saída a não ser dialogar e conhecer autores e autoras”, disse ele, que mencionou convidados negros que participaram de outras edições.
Werneck contou ainda que a organização da Flip está em um movimento de interlocução. O curador disse que a intenção do evento era fazer uma mesa de encontro com Elza Soares, para dar destaque à cantora negra, mas que o convite foi recusado. O rapper Mano Brown também teria recusado participação, segundo a Flip. “Foram planos que não se concretizaram”.
*Colaborou a repórter Nanna Possa, das Rádios da EBC