A beleza negra será política até que seja vista como natural

Por Chi Onwurah, do Vermelho 

Isso claramente não era apenas um preconceito de um autor; quando eu era jovem isso se refletiu na ausência de mulheres negras na indústria da beleza e da moda. As mulheres negras, aparentemente, não usavam maquiagem, spray capilar ou perfume. Ou pior, os comerciantes sabiam que comprávamos seus produtos, mas ficaram tão envergonhados que preferiram não anunciar para nós.

Muitas no movimento feminista se posicionaram com firmeza contra a objetificação das mulheres brancas, mas falharam gravemente em denunciar outra opressão: a das mulheres negras. Existem várias críticas validas contra a industria da moda: a pressão sobre as garotas, as imagens de corpos poucos saudáveis, a ilusão de realidade nas páginas de revista de maquiagem, o impacto das embalagens no meio ambiente- mas, apesar de tudo isso, essa indústria tem um papel importante na contribuição para a normalização da negritude.

É por isso que estou hospedando o lançamento da Premiação da Moda e Beleza Negra 2017 (Black Beauty and Feshion Awards) no parlamento. O evento propõe promover a igualdade e celebrar a diversidade da beleza, dando a voz aos consumidores de produtos direcionados para a beleza negra.

Conseguimos avançar desde a época em que eu era criança- hoje em dia existem modelos com tons de pele mais escuros, e quase todo anuncio tem um representante afro. Mas ainda existe um longo caminho a ser percorrido.

A norma continua branca, até para mim. Quando eu fui eleita pela primeira vez como membra do parlamento, em 2010, eu não senti que poderia comparecer à posse com meu cabelo em seu estado natural, isto é, cacheado. Eu pensei que ele poderia não ser visto como “profissional”: minha visão do que era normal estava nos moldes brancos, assim como a beleza de Andromeda havia sido descrita por não estar nesse mesmo padrão. Foi só após a insistência de um colega (branco) no argumento de que eu parecia muito mais feliz em casa com meu cabelo “pra fora” do que no parlamento com ele todo preso e endireitado que eu tomei coragem de ir com ele natural à câmara.

Houveram obstáculos até para isso. Desde internautas tirando sarro até reações mais sutis dos salões de beleza tradicionais. Me disseram que nenhum dos muitos cabelereiros conseguiriam cortar meu cabelo, já que nunca haviam aprendido como cortá-lo nos cursos e treinamentos; era apenas no nível avançado, aparentemente, que os cabelereiros aprendiam a cortar o cabelo afro. Na semana passada, inclusive, quando estava tentando marcar hora no salão, fui informada que a secagem com o secador era obrigatória por motivos de “saúde e segurança”.

O cabelo de mulheres negras ainda não é visto como normal, e sua cor muito menos. Modelos negras tem sua pele constantemente clareada para que fiquem mais “europeias”. Recentemente, o aplicativo Faceapp, programado para deixar os rostos mais atraentes nas fotos, foi flagrado deixando estes automaticamente mais brancos.

O rebaixamento da negritude tem fortes consequencias na forma como as pessoas negras lidam com seu senso de auto-estima- isso pode ter relação direta com altos níveis de doenças mentais na comunidade negra. Reflete também na maneira como pessoas negras são descritas e ofendidas online. Nas mídias sociais os memes racistas costumam comparar mulheres e homens negros com macacos.

E existem também as consequências globais. Nos países em desenvolvimento, marcas de cosméticos supostamente respeitáveis aumentam seus lucros promovendo produtos que deixam seus clientes mais brancos- Garnier SuperBrilho para Homens e o Limpo e Amável da Unilever para Mulheres são apenas alguns exemplos.

Empresas multinacionais estão faturando bilhões sustentando os esterótipos raciais. Enquanto isso, estima-se que no Reino Unido as mulheres negras e asiáticas gastam em média 137.52 libras a mais em produtos de beleza, devido a falta de escolha.

É apropriado, portanto, sediar o lançamento da Premiação de Moda e Beleza Negra 2017 no novo parlamento, que seguiu as eleições gerais. Certamente ainda há muito progresso a ser feito, mas atualmente a câmara baixa do parlamento está mais diversificada do que jamais esteve. De 51 negros e minorias étnicas, 25 são mulheres. Temos ao nosso alcance uma gama de representações e diversas variações da beleza negra, assim como o país que procuramos representar.

Contudo, a realidade ainda é que o parlamento não possui uma grande representatividade afro. Posso ver se meu cabelo dá um jeito nisso.

Fonte: The Guardian

Tradução por Alessandra Monterastelli

+ sobre o tema

Racismo científico, definindo humanidade de negras e negros

Esse artigo foi pensado para iniciar um diálogo sobre...

“Pérola Negra: Ruth de Souza” traça panorama da carreira da atriz

Mostra que entra em cartaz no CCBB traz 25...

Mylene Pereira Ramos: a juíza que defende maior diversidade na magistratura

“Em nossa sociedade, fatores como raça e condição social,...

para lembrar

Jovem preta é afastada de bebê após nascimento em maternidade de Florianópolis

Manifestantes fizeram um ato na tarde desta sexta-feira (30),...

Discriminação é comum, porém velada, dizem negras desempregadas

Para atendente, oportunidades de emprego são maiores para os...

Eu, mulher, psicóloga e negra

Quando nossa comissão editorial resolveu ouvir psicólogos negros, para...
spot_imgspot_img

Ela me largou

Dia de feira. Feita a pesquisa simbólica de preços, compraria nas bancas costumeiras. Escolhi as raríssimas que tinham mulheres negras trabalhando, depois as de...

“Dispositivo de Racialidade”: O trabalho imensurável de Sueli Carneiro

Sueli Carneiro é um nome que deveria dispensar apresentações. Filósofa e ativista do movimento negro — tendo cofundado o Geledés – Instituto da Mulher Negra,...

Comida mofada e banana de presente: diretora de escola denuncia caso de racismo após colegas pedirem saída dela sem justificativa em MG

Gladys Roberta Silva Evangelista alega ter sido vítima de racismo na escola municipal onde atua como diretora, em Uberaba. Segundo a servidora, ela está...
-+=