Kênia Freitas defende representatividade de gênero e raça no cinema
Por Mayhara Nogueira, do Bar de Batom
O cinema nacional é masculino e branco, de acordo com dados do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa(GEEMA), da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Entre os anos de 1970 e 2016, os filmes com grande público (acima de 500.000 espectadores) foram predominantemente dirigidos por homens (98%). No que se refere ao gênero, chama atenção o baixíssimo índice de mulheres na direção dessas produções, apenas 2%. Além disso, nenhuma delas é negra. Mas não quer dizer que não existam cineastas mulheres negras no Brasil. Por anos, a curadora Kênia Freitas vem estudando esse fenômeno e dando visibilidade a nomes da velha e nova guarda.
Kênia é jornalista capixaba, Mestre em Multimeios pela Unicamp, doutora em Comunicação e Cultura pela UFRJ e pós-doutoranda do programa de Mestrado da Universidade Católica de Brasília. Ela possui pesquisas em andamento no campo do documentário, das novas tecnologias e do movimento afrofuturista, e está integrada ao Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema. Também se dedica à curadoria de mostras de cinema ao estudo de raça e gênero: A Magia da Mulher Negra (2017/Sesc Belenzinho/SP) e Diretoras Negras no Cinema Brasileiro, realizada recentemente em Brasília, mas que volta a entrar em cartaz em dezembro, no Rio de Janeiro.
“Há alguns anos me dedico à pesquisa e à crítica de cinema, e essa percepção de que o espaço das mulheres negras era pequeno em todos os âmbitos do cinema (dirigindo/escrevendo os filmes, atuando ou na pesquisa e/ou crítica) sempre foi tangível. Para mim, como para muitos cinéfilos, a descoberta da existência e do cinema da pioneira Adélia Sampaio foi um ponto de ruptura“, explica.
Segundo Kênia, Adélia foi a primeira mulher negra a dirigir um longa-metragem, o filme Amor Maldito (1984). Ela começou a sua carreira na década de 1960 e, desde então, trabalhou em diversas áreas do cinema: foi produtora, produtora executiva, continuísta, até chegar ao posto de diretora, trabalhando na equipe de mais de 70 filmes. Nas décadas de 1970 e 1980, dirigiu os curta-metragens Denúncia Vazia, Agora um Deus Dança em Mim, Adulto Não Brinca e Na Poeira das Ruas.
Além de Adélia, a curadora revela que existem diversos nomes para serem descobertos pelo grande público. Para se ter uma ideia, a mostra de Diretoras Negras no Cinema Brasileiro vai apresentar 23 diretoras e 45 filmes, entre longas, médias e curtas-metragens. “O cinema negro feminino vem sendo feito, embora não chegue aos cinemas e você não veja esses filmes circulando“.
Formação em cinema
A curadora explica que o cinema é branco e masculino ainda por conta da educação. “Esse público sempre teve mais facilidade do acesso à educação e formação técnica, além de, muitas vezes, ter condições de financiar os seus próprios filmes“, explica.
No entanto, programas do governo como o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), entre outros incentivos, vêm alavancando cineastas negras no audiovisual, trazendo filmes que abordam questões sob um novo olhar. “Como todo cinema é político, podemos dizer que esses filmes são políticos (implícita ou explicitamente); muitos com temáticas que abordam questões raciais e/ou de gênero, diversidade sexual ou responsáveis por propor a perspectiva de uma mulher negra.“
Diretoras de destaque:
Quem não conseguiu conferir a Mostra das Diretoras Negras no Cinema Brasileiro em Brasília terá uma segunda chance. O evento acontece na Caixa Cultural do Rio de Janeiro, entre os dias 5 e 17 de dezembro. Algumas cineastas se destacam e despontam no cenário nacional devido ao pioneirismo ou grande volume de produções. Entre elas estão:
Danddara
Premiada no Brasil e EUA, se expressa através do cinema, música, literatura e arte florestal. Iniciou a carreira em 1985; no cinema em 1990. Em 2000 dirigiu Gurufim na Mangueira (ficção, 26 min, 35mm), obra que insere a mulher negra como sujeito da narrativa cinematográfica. Revelada pela HBO/USA como primeira mulher negra cineasta do Brasil.
Juliana Vicente
Produtora, diretora e fundadora da Preta Portê Filmes. Juliana Vicente estudou Cinema na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) e na EICTV (Cuba). Dirigiu o curta-metragem Cores e Botas (Festival Iberoamericano de Huelva – 2011 e Festival de Havana – 2010) e o documentário média-metragem Leva (Festival de Havana – 2011 e premiado no New York Film Festivals), entre outros filmes. Atualmente desenvolve o projeto de longa-metragem Lili e as Libélulas, do roteirista e diretor René Guerra.
Sabrina Fidalgo
Sabrina Fidalgo é uma premiada diretora, roteirista, produtora e artista visual nascida na cidade do Rio de Janeiro. Escreveu, dirigiu, atuou e produziu os curtas Sonar 2006 – Special Report (2006), Das Gesetz des Stärkeren (A Lei do Mais Forte, 2007), Black Berlim (2009), Cinema Mudo (2012), Personal Vivator (2014) e Rainha (2016). Também dirigiu o documentário musical de média-metragem Rio Encantado (2014) e uma série de videoclipes.
Viviane Ferreira
Cineasta, presidente da Associação dos Profissionais do Audiovisual Negro (APAN), diretora de criação da Odun Produções e mestranda do programa de Pós-Graduação em Comunicação da UNB, onde estuda Políticas do Audiovisual. Com um olhar cinematográfico referenciado no cinema de Zózimo Bulbul e Glauber Rocha, assina a direção de diversos documentários: Dê sua ideia, debata (2008), Festa da Mãe Negra (2009) e Marcha Noturna e Peregrinação (2014). Na ficção, dirigiu o curta experimental Mumbi 7 Cenas pós Burkina (2010) e O Dia de Jerusa (2014).