Bélgica se desculpa pela primeira vez por passado brutal nas antigas colônias da África

Pela primeira vez, o governo belga declara mea culpa pelo sequestro de milhares de crianças africanas durante regime colonial

POR ANDRÉ NOGUEIRA, do Aventuras na História

Museu Real da África Central, em Bruxelas(Imagem retirada do site Aventuras na História /Reprodução)

No dia de hoje foi lançado um pronunciamento direto de Bruxelas em referência a um pedido de desculpas internacional dirigido ao Congo, Burundi e Ruanda, antigas colônias do pequeno país europeu, por todo o passado colonial no que se refere aos sequestros, estupros, métodos de segregação e deportação de milhares de crianças que passaram pelo processo de adoção coercitiva.

A iniciativa provem de uma associação de autores, historiadores e ativistas políticos para a criação de uma resolução parlamentar que incita o Estado Belga a reconhecer e se desculpar pelos erros cometidos na África, assumindo também a responsabilidade da cumplicidade da Igreja Católica.

O fenômeno ocorria com filhos de casais inter-raciais nascidos nas colônias, dentro do compromisso europeu de “melhoramento racial” e “europeização” de grupos internos ao território colonial no XIX. Isso porque os filhos mestiços eram considerados pelo governo colonial uma ameaça a seu empreendimento de ocupação militar e empresarial e, portanto, à seu lucro, a dominação racial e ao prestígio internacional das potências.

A colonização belga foi uma das mais violentas do continente africano. O Congo, por exemplo, antes de ser uma colônia de Bruxelas propriamente dito, foi propriedade direta do rei Leopoldo II, respondendo diretamente à sua vontade. Métodos de tortura sistemática, exploração do trabalho e dos corpos das populações nativas, mutilações, sequestros, execuções primárias e formas de escravidão eram comuns nessa colônia.

Imagens do holocausto colonial belga no Congo (Imagem retirada do site Aventuras na História /Reprodução)

O pedido de desculpas belga é o primeiro na história do país. Antes, a Bélgica assumia uma clara posição de resistir aos indiciamentos dos historiadores em relação ao trágico legado socioeconômico deixado pelo país na África Central.

A resolução indica também a necessidade de abertura dos arquivos nacionais belgas sobre a colonização e administração, possibilitando que muitos filhos de congoleses e ruandeses acessem suas certidões de nascimento e se informem em relação a identidade e procedência de seus pais, favorecendo a reconstrução da memória familiar das crianças sequestradas.

A decisão vai de encontro com a iniciativa belga, em 2018, de reaver a narrativa e as relações do país com o Congo. Ano passado, a Bélgica oficialmente homenageou o antigo líder revolucionário, ativista e primeiro-ministro congolês Patrice Lumumba, mesmo governante do país africano que foi derrubado por um golpe militar fomentado pelo governo belga e que resultou no assassinato de Lumumba, em 1961.

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