Sempre ouvi de todas as pessoas que eu era viado, mesmo quando eu nem sabia o que era isso; aos 14 anos tive a minha primeira relação heterossexual, e mesmo performando a normatividade eu ainda era viado demais para ser considerado hétero.
No fim deste primeiro relacionamento com mulher, eu enfim fiquei com o primeiro garoto, e para o meu desespero na época, eu gostei! Portanto cheguei na conclusão de que eu realmente era viado como sempre me falaram.
Dos 14 aos 24, já se passaram 10 anos… período que eu só me relacionei com homens, todo o meu tesão voltado para eles; enquanto em comunidade com outros gays, aprendi a reproduzir misoginia… Visto que essa repulsa contra mulheres é algo completamente naturalizado entre homens gays.
Depois de sair do armário, me relacionar com uma mulher era algo praticamente impossível, afinal estamos falando de tesão e afeto, que embora não sejam imutáveis, redirecionar estes, não é a uma missão tão simples.
Sempre achei que as mulheres me viam como o viado que fala besteira e é engraçado, e justamente por isso, nunca nutri nenhum outro sentimento por elas, já que este lugar me parecia fixo. Eis que me deparei com uma situação real de interesse… Uma mulher, querendo ficar comigo mesmo sabendo que eu era viado.
Me deu um bug na cabeça; isso é certo? Uma bicha ficar com uma mulher cis?
Que tipo de relação seria? Será que eu ficaria de pau duro? Sentiria tesão? Será que ela sentiria tesão? Por que motivo nós gays odiamos buceta? Ou na verdade temos medo?
Muitas perguntas me rodearam por algumas semanas, e outras questões ainda existem e ainda serão solucionadas, ou não… A questão é que nós idealizamos demais nossos afetos e muitas vezes acabamos não vendo ou fingindo que não estamos vendo, possibilidades reais de trocas e amor.
Hoje eu me questiono, se eu teria tido tantos problemas com a minha sexualidade se não tivesse ouvido desde cedo que eu era uma coisa que eu nem tinha certeza se era de fato… Em como o externo influência o interno, fazendo com que essas questões tão complexas se choquem.
Pra você que sempre idealizou aquele boyzão vindo te resgatar em cima de um cavalo, sinto em informar, que talvez seu príncipe encantado tenha buceta (não estou falando necessariamente sobre homens trans), e tudo bem se o seu príncipe encantado na verdade for uma princesa. Somos ensinados a odiar mulheres e o feminino, principalmente quando nos declaramos gays, mas acredito que estejamos vivendo tempos em que se revisitar e reconfigurar nosso tesão (bem vindos ao século 21), seja um exercício necessário, visto que nossos inimigos são outros e não as mulheres, sobretudo as negras.
Hackear o sistema através de afeto, é sem dúvida acima de tudo um ato político. Amem as mulheres pretas!
Dedico este texto à Micaela Cyrino.
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