Brasil ainda tem 1,2 milhão de pessoas em lares sem banheiro; 5,4 milhões vivem com 4 ou mais, aponta Censo

IBGE divulgou nesta sexta-feira (23) dados sobre saneamento no país. Números apontam que fatia dos que vivem sem banheiro caiu de 7,7% em 2010 para 0,6% em 2022. Avanço aconteceu em todas as regiões, mas Norte e Nordeste ainda têm cenário pior que o de Centro-Oeste, Sudeste e Sul há 12 anos.

Em 2022, o Brasil tinha 1,2 milhão de pessoas vivendo sem nenhum banheiro ou sequer um sanitário, e 5,4 milhões em lares com quatro banheiros ou mais, segundo dados do Censo divulgados na sexta-feira (22) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Esses números equivalem, respectivamente a 0,6% e 2,7% da população brasileira, de 203 milhões de habitantes. Os 97,8% que têm algum banheiro estão divididos em:

  • 1 banheiro: 62,58%
  • 2 banheiros: 26,18%
  • 3 banheiros: 6,33%
  • 4 banheiros: 2,67%

A fatia da população sem banheiro caiu desde 2010, e o avanço aconteceu em todas as regiões. As maiores elevações ocorreram nas regiões Norte e Nordeste.

Apesar do avanço, ambas ainda estavam, em 2022, em patamares inferiores aos que as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste tinham em 2010 (veja no infográfico abaixo).

De um a sete banheiros

Déborah mora em um apartamento que um dia pertenceu a avó na região central de Londrina, no norte do Paraná. O local dispõe de quatro banheiros. Para a jovem, que mora sozinha, a quantidade é excessiva e ela chegou a desativar um deles.

“A casa tem dois banheiros completos e bem grandes. Um eu utilizo no dia a dia. O outro fica parado. O lavabo é usado eventualmente por prestadores de serviço e visitas”, explica.

Além disso, segundo Déborah, a disposição dos banheiros dentro da arquitetura do apartamento causa estranhamento.

“Os quartos não são suítes, são pequenos, enquanto os banheiros são bem grandes. […] Imagino que a divisão na época seria um banheiro para o casal e um banheiro para os filhos , mais um lavabo para as visitas e o banheiro de serviço”, detalha.

A jovem conta também que a casa onde morava com os pais, também em Londrina, conta com sete banheiros.

Atualmente, apenas o casal de idosos mora no local. A casa, porém chegou a abrigar sete pessoas e todos os banheiros eram amplamente utilizados.

A cerca de quatro quilômetros dali mora Kelly Cristina Evangelista, no Assentamento Aparecidinha, no bairro Jardim São Jorge.

Apesar da proximidade, ao contrário de Déborah, a casa onde ela jovem mora não tem acesso à água encanada e nem a saneamento básico —assegurado pelo direito à dignidade da pessoa humana, conforme a Constituição.

Kelly afirma que precisou improvisar um espaço, que é usado como banheiro, na casa onde vive com o marido. Os dois ergueram uma estrutura de madeira e colocaram um vaso sanitário.

Banheiro e fossa utilizada pela família de Kelly — Foto: Arquivo Pessoal

Todos os dejetos depositados lá caem em uma fossa que fica ao lado da residência do casal.

“Meu banheiro era para fora, mas o meu marido colocou uma portinha. Eu fiz um banheiro de tábuas e ele abriu uma ‘boca’ para a gente poder usar, porque ficar sem banheiro é difícil. Mas não tem nada de nada, só tem uma fossa”, conta.

De acordo com o IBGE, para ser considerado um banheiro, é necessário que seja um cômodo separado com local para banho, sanitário e que seja utilizado pelos membros da família e/ou hóspedes.

Apesar das condições precárias, o banheiro de Kelly se encaixa nas definições do instituto.

Ela relata ainda que cuida diariamente da neta de 5 anos. Para Kelly, a ausência de um banheiro dificulta os cuidados com a criança e o bem-estar da família.

“A qualquer momento pode vir uma chuva e derrubar o banheiro”, desabafa.

A expectativa de Kelly é que, um dia, o acesso à água potável e ao saneamento básico chegue até a residência.

“É o meu sonho e de todos que moram aqui”, afirma.

Pretos e pardos são 69% dos que não têm esgoto

Os dados divulgados nesta sexta pelo IBGE mostram ainda que o Brasil tem 49 milhões de pessoas vivendo em lares sem descarte adequado de esgoto.

Esse número equivale a 24% da população brasileira. Entre os pretos e pardos – grupos que compõem pouco mais da metade da população brasileira – o percentual sobe para 68,6%. Veja:

  • Pardos são 45,3% da população brasileira, e 58,1% dos sem esgoto adequado;
  • Brancos são 43,5% da população brasileira, e 29,5% dos sem esgoto adequado;
  • Pretos são 10,2% da população brasileira, e 10,4% dos sem esgoto adequado;
  • Indígenas são 0,8% da população brasileira, e 1,7% dos sem esgoto adequado;
  • Amarelos são 0,4% da população brasileira, e 0,1% dos sem esgoto adequado.

É considerado descarte adequado o esgoto que vai para as redes públicas de coleta (geral ou pluvial) ou para fossas sépticas ou com filtro, ainda que depois de passar por esses equipamentos não sejam destinados para essas redes.

As outras formas – uso de fossa rudimentar ou buraco, descarte direto em rios ou no mar, por exemplo, são consideradas inadequadas pelo Plano Nacional de Saneamento Básico.

Acesso à água

A falta de um abastecimento adequado de água atingia 6,2 milhões de brasileiros em 2022.

Assim como acontece com o descarte de esgoto, há diferença entre os diferentes grupos raciais. Pretos e pardos representam 72% da população sem acesso adequado a água. Brancos, 24%.

Em 2022, eram considerados abastecimento adequado o acesso por rede de distribuição (82,9%), poço profundo ou artesiano (9%), poço raso, freático ou cacimba (3,2%) e fonte, nascente ou mina (1,9%).

Os inadequados são carro-pipa (1%), rios, açudes, córregos e igarapés (0,9%), água de chuva armazenada (0,5%) ou outras formas de abastecimento (0,6%).

A dependência de carro-pipa ou água da chuva está concentrada no Nordeste, enquanto a de rios, açudes, córregos e igarapés, na Norte.

Como os critérios mudaram, não é possível comparar exatamente como evoluiu o acesso adequado à água entre 2010 e 2022. Mas, a proporção de moradores com água encanada em casa – independentemente se vem da rede ou de um poço artesiano, por exemplo – subiu de 89,3% para 95,1%.

Outra informação relativa ao abastecimento de água foi a forma como a água chega até o domicílio. Para domicílios onde vivem 192,3 milhões de pessoas, representando 95,1% da população, a água chegava encanada até dentro da residência – ou seja, diretamente em torneiras, chuveiros e vasos sanitários.

Já para 2,5% da população, a água chegava encanada, mas apenas até o terreno. Para outros 2,4%, a água não chegava encanada – ou seja, precisava ser transportada em baldes, galões, veículos ou outros recipientes.

Coleta de lixo

No total, o percentual geral de pessoas morando em residências com coleta de lixo subiu de 85,8% para 90,9% entre 2010 e 2022, no país. Mas também persistem desigualdades regionais.

Na Região Norte, a proporção da população atendida pela coleta de lixo domiciliar em 2022 foi de 78,5%. Já na Região Sudeste, o percentual obtido foi de 96,9%. Em situações intermediárias se encontravam as Regiões Nordeste (82,4%), Centro-Oeste (93,1%) e Sul (95,3%).

Maranhão foi o estado que mais ampliou a coleta de lixo na última década, passando de 53,5% para 69,8%. Apesar do avanço, o estado ainda tem a pior proporção nacional de cobertura na coleta de resíduos sólidos do país, seguido de Piauí (73,4%) e Acre (75,9%).

Os dados de 2022 dos três estados mencionados acima ainda são inferiores ao que os três estados com melhor colocação no ranking (São Paulo, Distrito Federal e Rio de Janeiro) haviam apresentado em 2010.

A proporção de pessoas que moram em apartamentos vem crescendo nas últimas décadas. Em 2000, o índice estava em 7,6%, passando para 8,5% em 2010, até chegar a 12,5% em 2022.

A grande maioria da população, no entanto, ainda vive em casas84,8%. Enquanto o Piauí tem a maior proporção de pessoas em casas (95,6%), o Distrito Federal lidera em apartamentos (28,7%).

Dos mais de 5 mil municípios do país, só três fogem à regra nacional e têm apartamentos como forma predominante de habitação da população:

  • Santos (SP): 63,45%
  • São Caetano do Sul (SP): 57,22%
  • Balneário Camboriú (SC): 50,77%

A maior proporção de ocorrência dos domicílios do tipo “casa de vila ou em condomínio” foi registrada no Rio de Janeiro (5,9%).

Outros dados do Censo 2022

As informações do Censo 2022 começaram a ser divulgadas em junho de 2023. Desde então, foi possível saber que:

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