Pesquisador estadunidense afirma que o movimento nacional de criminalização do funk, que atinge mais as cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro, faz parte de uma campanha de domesticação dos territórios populares, e diz que uma das principais funções das UPPs é controlar a cultura das favelas. Entrevistado por ele, ex-ministro Juca Ferreira diz: “Eu tenho muita dificuldade em acreditar que a polícia seja a melhor crítica cultural”
Por Cameron Combs*, para o PolicyMic
Antes do rebolado do Milley [Cyrus] invadir a América no ano passado, um fenômeno semelhante tomou conta do Brasil há alguns anos.
Veja a música Dança do Créu, um hit de 2008. A faixa consiste basicamente de uma repetição da palavra créu, que significa transar, em cinco velocidades progressivas. Dançarinas seguem o ritmo balançando a bunda, enquanto o cantor – que também se chama Créu – sacode sua pélvis no ar. A performance é repetitiva, lasciva, denigre a mulher, e é desprovida de qualquer qualidade musical. Para muitos dos brasileiros com mais dinheiro, essa descrição representa o gênero ao qual Créu pertence: funk – em português se pronuncia “funky” – um tipo de música dançante extremamente popular nas abarrotadas favelas e comunidades pobres do país.
Mas o problema não é só muitos considerarem o funk desagradável, existe uma crescente pressão para o tornar ilegal. Como em 1º de janeiro, quando moradores de São Paulo que ousassem ouvir a musica num volume acima do convencional corriam o risco de pagar uma multa de $500. A lei pretende impedir bailes funk ao ar livre – um elemento emblemático da vida na favela – com ajuda da Policia Militar. Essa repressão também tem se sucedido por vários anos no Rio de Janeiro, onde os bailes funk têm sido emparedados em áreas controladas pelas forças de segurança. O Congresso brasileiro está até considerando banir em área nacional essas festas.
Apesar de historicamente negligenciadas pelo governo, está acontecendo uma campanha de domesticação das favelas visando a Copa do Mundo e as Olimpíadas do verão de 2016.
No Rio, uma força policial especializada denominada UPP (Unidade de Policia Pacificadora), tenta conter as altas taxas de criminalidade e violência. Paralelo à isso, projetos de construção dos megaeventos tem ameaçado despejar 25 mil pessoas de baixa renda de diversas áreas ao redor do país. Porém pacificar favelas tem um significado maior que demolições e incursões policiais; atinge também a cultura da favela.
O funk carioca, ou favela funk, ganhou popularidade nas comunidade do Rio de janeiro durante os anos 80 com uma fusão de Miami bass com influências locais. As letras são explícitas – inclusive pornográficas –, e em geral tratam de drogas, crime, violência contra a policia e retratam as mulheres de forma agressivamente sexual. Décadas depois de surgir, esse gênero musical permanece estritamente associados às favela e aos seus moradores, especialmente negros e pobres. Por essa razão, qualquer tentativa de erradicar o funk carrega fortes conotações socioeconômicas.
Os defensores das proibições dos bailes funk alegam que essas festas são antros de violência e uso de drogas, que a música alta perturba as áreas residenciais e que as letras explícitas promovem uma cultura de sexo e violência. Mas os que apoiam o funk afirmam que a música é uma forma de auto-expressão e que as letras refletem o dia a dia das dificuldades da vida na favela. Apesar da reputação de machistas, os funks não são exclusivamente sobre festas e mulheres, e podem oferecer uma poderosa crítica social. Drogas e consumo de álcool dificilmente são limitados aos bailes funk, eles apontam, mas são tão comuns quanto em qualquer clube noturno – apesar de a policia raramente patrulhar estes lugares. Além do que, festas ao ar livre são um dos poucos entretenimentos disponíveis para pessoas pobres em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, cidades que competem com Nova York e Paris em termos de custo de vida.
Existe uma ironia mórbida em caracterizar o funk como promotor de violência, levando em conta que a repressão do funk levou alguns MC’s, cantores famosos de funk, a serem alvos comuns de assassinatos, inclusive pela policiais e por forças paramilitares. Fora das favelas, essas mortes têm sido recebidas com um misto de indiferença e celebração.
De acordo com Juca Ferreira, ex-Ministro da Cultura, a criminalização do funknão é novidade no Brasil. Samba e capoeira, agora integrados na cultura nacional, já foram proibidos devido as suas raízes na cultura afro-brasileira. “Faz parte do lado obscuro do Brasil, que vem da época da escravidão, a criminalização de uma cultura praticada por grandes segmentos da população, que não tem acesso à cultura e à todos os serviços que o Estado e a sociedade oferecem,” diz Ferreira.
É inquestionável que as favelas se beneficiariam com o aumento de segurança pública e com melhorias de infraestrutura, e que essa situação deveria ser uma prioridade para o governo. Mas, como diz Ferreira, “Eu tenho muita dificuldade em acreditar que a polícia seja a melhor crítica cultural.”
*Cam Combs é pesquisador de política na Inter-American Dialogue, em Washington, nos Estados Unidos. Seus artigos são publicados no TheAtlantic.com, Los Angeles Times, World Politics Review, Huffington Post e Current History.
Traduzido por Tracy Segal
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Fonte: Favela 247