Brasília: Espetáculo sobre o primeiro travesti do Brasil ‘Madame Satã’ chega a cidade

A partir da biografia de um dos personagens brasileiros mais peculiares, Madame Satã, o Grupo dos Dez, de Minas Gerais, criou um premiado espetáculo musical que estabelece importante diálogo com o público. Homofobia, racismo e homoafetividade ganham protagonismo em cena a partir da dramaturgia original com direção de Rodrigo Jerônimo e João das Neves. A trilha sonora autoral colabora com o desenvolvimento do ritmo ideal para a narrativa, que é intercalada por textos poéticos e combativos.
Por Isabella de Andrade , do Correio Braziliense 
Cena da peça Madame Satã, do Grupo dos Dez, de Minas Gerais: espetáculo premiado(foto: Guto Muniz/Divulgacao)

O espetáculo é inspirado em Madame Satã, que carregou a alcunha de primeiro travesti do Brasil. Através dela, o grupo aborda temas de universos extremos, entre eles: a prostituição, a pobreza, o racismo, a homofobia e a intolerância. O diretor Rodrigo Jerônimo conta que a ideia para a montagem surgiu no instante em que circulava com dois outros espetáculos inspirados em biografias negras, a de Zumbi dos Palmares e a de Galanga Chico Rei.

“Nesse sentido, Madame Satã já ocupava meu imaginário como um homossexual negro que lutou com seu corpo por seus sonhos e pelo direito de estar no mundo”, destaca. A obra foi concebida dentro de um projeto do Grupo Galpão, que selecionou artistas de diferentes regiões do país. A criação partiu da corporeidade negra, especialmente da capoeira e das danças dos orixás e da presença dos guias da umbanda como estado corporal. A direção musical, que colabora com o desenvolvimento de toda a história, é assinada por Bia Nogueira.
“Partimos a princípio da história narrada por Madame Satã em seu livro de memórias e também um pouco da experiência dos artistas como pessoas negras e LGBTS”, destaca o diretor. As experiências contemporâneas de homens e mulheres negras são parte essencial do processo, que busca criar um diálogo eficiente com o público e colocar esses corpos negros no lugar da resistência e da sobrevivência através da história.
A luta por igualdade
“Somos tão diversos, que cada um daqueles corpos possuem demandas específicas, mas que no fim somos atacados pela mesma estrutura que atacou Madame Satã e seus contemporâneos”, lembra Rodrigo. A montagem apresenta a personagem antes mesmo de receber o nome pelo qual se tornou conhecida. João Francisco dos Santos, um dos 18 filhos de uma família pobre, no início do século 20, é trocado por uma égua e tornou-se, a duras penas, figura mitológica da Lapa carioca, sendo preto, pobre e homossexual.
A dramaturgia se atualiza a cada temporada e a pergunta que permeia todo o processo criativo é: O que mudou desde então? A temporada em Brasília conta com um debate entre  diretor, público e elenco, a partir do tema: A brasilidade nos corpos. A discussão é pautada pela necessidade de dialogar sobre alguns dos temas mais espinhosos que ainda sustentam as estatísticas de violência contra mulheres negras e transexuais no Brasil.
“Esses temas se tornam mais que importantes e também caros para uma parcela grande da sociedade brasileira, e ele se torna importante na medida em que vem à tona e provoca o público a se problematizar e problematizar a sociedade em que vivemos”, lembra o diretor. O espetáculo dá continuidade à pesquisa de linguagem do Grupo dos Dez, desenvolvida desde 2008, sobre os musicais brasileiros. A ideia é investigar  como a ancestralidade e a corporeidade negras contribuem para os espetáculos musicais tipicamente brasileiros.
A peça é apresentada por três atores que criam três personalidades distintas para Madame Satã, a temporalidade não é respeitada na tentativa de trazer a complexidade dessa personagem. Ela é apresentada como o malandro, como a bicha, como a performer, mas também como um indivíduo negro que resistiu apesar das violências que sofre desde a infância.
Durante o processo criativo e na construção dos corpos em cena, o método principal é o treinamento para a capoeira angolana, o samba de roda, a dança dos orixás e contemporânea. Para o grupo, uma de suas buscas constantes é a tentativa de fissurar os lugares hegemônicos de pensamento e contribuir com o fim das desigualdades a partir de suas próprias questões e experiências.
Madame Satã
Na Caixa Cultural Brasília (SBS Q. 4 Lt. 3/4). De 7 a 17 de junho, quinta a sábado, às 20h e domingo, às 19h. Os ingressos custam R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia). Não recomendado para menores de 16 anos. A brasilidade nos corpos: 07 de Junho, após a apresentação do espetáculo, debate com o diretor Rodrigo Jerônimo, elenco e público presente.

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