Brasiliense Mariana Nunes vive esposa de abolicionista em ‘Doutor Gama’

Atriz também interpreta na novela 'Quanto mais vida melhor' o papel de Joana, uma cirurgiã competente secretamente apaixonada pelo colega de trabalho vivido por Mateus Solano

A atriz brasiliense Mariana Nunes está com a agenda tão cheia que só foi conseguir assistir a Doutor Gama durante a abertura do Festival do Rio. No longa dirigido por Jefferson De, Mariana interpreta Claudina, a mulher do abolicionista e advogado Luiz Gama. A atriz também está em A morte habita a noite, de Eduardo Morotó, programado para ser exibido no mesmo festival. Além dos dois filmes, Mariana entrou em estúdio para a gravação de Quanto mais vida melhor, a próxima novela das 19h na Rede Globo.

A atriz está especialmente empolgada em participar da produção que narra a trajetória de Luiz Gama. Nascido livre e vendido como escravo aos 10 anos pelo próprio pai, um homem branco, Gama nunca pôde cursar a universidade, mas aprendeu tudo sobre direito e tornou-se um dos nomes mais importantes do abolicionismo. Brilhante, conseguiu ganhar causas que deram liberdade a vários escravos e comprou outros tantos para lhes conceder a alforria.

Em ‘Doutor Gama’, Mariana vive Claudina – (crédito: ernanda Candida/Divulgacao)

Em Doutor Gama, em cartaz no circuito comercial, Mariana vive Claudina, nascida livre e companheira de causa do marido. “Claudina entende a luta do esposo e faz dessa luta a luta dela também, porém, ela se preocupa com a integridade da família, porque os inimigos do Luiz acabam atacando a família. Ela vive em um lugar de conflito, porque sabe que essa luta é importante”, conta.

“Faço um paralelo entre a Claudina e o que a gente vive hoje em dia: como estamos muito cientes de nossos direitos, da estrutura racista em que vivemos em nosso país, é impossível ficar calada diante de tanta injustiça. Ao mesmo tempo, muitas vezes, isso acaba trazendo questões de nossa própria saúde mental e afetiva. A Claudina acaba trazendo essa reflexão sobre a luta e a manutenção da nossa saúde e da nossa integridade”, acrescenta.

Inspirado no norte-americano Charles Bukowski, A morte habita a noite tem como protagonista um escritor fracassado pela vida na qual passam três mulheres. Segundo Mariana, essas figuras femininas representam a caminhada para a decadência do personagem principal. A atriz, que no longa de Morotó vive Lígia, faz um paralelo com a derrota do homem contemporâneo diante da maturidade dos movimentos que questionam e derrubam o protagonismo masculino na história das sociedades. “É o fracasso do homem branco, hétero, contemporâneo. Três mulheres passam pela vida desse homem e a Lígia é a primeira, é o prólogo, a anunciação da derrota”, destaca Mariana.

Também é uma mulher decidida que ela interpreta na novela Quanto mais vida melhor. No papel de Joana, uma cirurgiã competente secretamente apaixonada pelo colega de trabalho vivido por Mateus Solano, ela enxerga uma exceção fruto de pequenas (e ainda mínimas) mudanças na situação dos atores negros na televisão. “Ainda são pouquíssimas as exceções; você tira por base quantas são as protagonistas negras. A partir do momento que você percebe que praticamente não existe protagonista retinta, isso responde à pergunta ‘está mudando?”, diz. “Estou aguardando o dia de pegar uma novela que tenha a metade, mas ainda fui legal, que tenha um terço dos diretores e atores pretos.”

Com 26 anos de carreira e papéis como o de Rita na novela Amor de mãe, Mariana conta que tem recebido cada vez mais propostas de papéis não necessariamente ligados ao fato de ser negra. “Tem personagens que precisam ser representados por atores negros e às vezes me convidam porque é importante ou fundamental para a narrativa que seja uma mulher negra. Não acho ruim não”, avisa. “Mas quando fui fazer Dupla identidade, uma série da Glória Pérez, fiz o teste, passei e o diretor ligou para falar que estava me chamando não porque o personagem precisava ser feito por uma atriz negra, e sim porque precisava de uma boa atriz. Foi a primeira vez que isso foi verbalizado. E me chamou atenção ele colocar isso em palavras, porque, de fato, a maioria dos personagens não precisa ser escolhido pela cor da pele. Era pra ser uma coisa óbvia, mas foi preciso ele me falar.”

Além dos dois longas e da novela, Mariana aguarda o lançamento de dois outros filmes dos quais participou: Um dia qualquer, de Pedro Von Kruger, e Pureza, de Renato Barbieri, de Brasília. Recentemente, ela também viveu Lélia Gonzalez em Falas negras, especial da Globo que trouxe a trajetória da fundadora do Movimento Negro Unificado (MNU). Formada pela Faculdade Dulcina, a atriz de 40 anos deixou Brasília aos 22, em 2003, para realizar a oficina de atores da Globo. Na emissora, ela participou de novelas, especiais, filmes e séries como Carcereiros, na qual apareceu em duas temporadas. Por isso, Mariana encrenca quando alguém diz que foi “descoberta”. “Na verdade, não gosto muito da ideia de ser descoberta não, faço tevê há muitos anos. Para não ter mais essa ideia, inventei de fazer uma série no Instagram, a Retrospectiva de Mariana Nunes na TV”, avisa.

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