Cartaz em homenagem à Cesária Évora escrito em crioulo distribuído por toda a cidade de Lisboa, Portugal
No dia 17 de dezembro, Cesária Évora, uma espécie de embaixatriz da música cabo-verdiana, deixou-nos. Não faltaram homenagens e declarações pelo seu público fiel, presente em quase todos os cantos do mundo. A cantora, assim como a música de seu país, ficaram em foco na blogosfera nos últimos dias, e na tuitosfera chegou aos Trending Topics mundiais no dia de sua morte.
Julio de Magalhães, do blog Do Médio-Oriente e afins comenta sobre a partida da cantora e ressalta a música do país:
Foi uma voz de Cabo Verde escutada e aclamada em toda a parte e, de alguma forma, um símbolo nacional. Dotada de um inconfundível instrumento vocal, como aliás grande parte dos cabo-verdianos, apresentou-se nos principais palcos do mundo sempre com extraordinário sucesso.
Para o jornalista brasileiro Mauro Ferreira, do blog Notas Musicais, “cala-se voz doce de sentimentos profundos”. Sobre sua música, diz:
Voz que destilava a fina melancolia impregnada nas mornas – espécie de samba-canção da terra da intérprete – que entoava em crioulo, um idioma que misturava português, francês e dialetos africanos. Évora também deu voz às coladeiras, outro ritmo cabo-verdiano, mais dançante e próximo da pegada caribenha.
O blog Palavras Todas Palavras comenta em retrospectiva do sucesso do álbum La diva aux pied nus (a diva de pés nus), gravado em 1988, que faz alusão à forma como se apresentava nos palcos:
O álbum foi aclamado pela crítica, e em 1992 gravou Miss Perfumado, e passou a morar na França. Tornou-se uma estrela internacional aos 47 anos. Em 2004 recebeu um Grammy, de melhor álbum de world music contemporânea. Foi a cantora que recebeu maior reconhecimento internacional na história da música cabo-verdiana.
O blog português Repórter a Solta, enfatiza sua grande energia no palco a partir do relato de um de seus shows em Londres:
Cesária não pára. Desde que, aos 48 anos, começou, em França, a sua carreira internacional, passa a maior parte do ano em tournée pelo mundo. Não está cansada? “É preciso aproveitar, agora que há trabalho”, diz-nos ela, como inconsciente de ser uma estrela mundial, como se vivesse nos tempos miseráveis dos bares do Mindelo. “Enquanto puder, não páro”. Na plateia, (…) são raros os caboverdianos, ou mesmo os espectadores de origem africana. São britânicos na sua maioria, famílias, casais, jovens, de meia-idade, classe média-alta…” Eles não percebem nada do que eu canto”, diz-nos Cesária. “Ninguém entende crioulo. Mas não importa. A música diz tudo. Entendem a música”. (…) Como faz ela aquilo? É um truque? Um sortilégio? Ninguém sabe explicar, mas está lá todo o fascínio de Cabo Verde.
Em retrospectiva, e num tom crítico, o antropólogo Miguel Moniz, autor visitante no blog Southcoasttoday, fala sobre o espaço ocupado pela cantora na cena internacional:
Cesaria Evora left Mindelo, Sao Vicente, to sing the morna on the world’s great stages, winning a Grammy and becoming a chevalier in the French Ordre National de la Legion d’Honneur along the way. Although she had been performing on and off since the 1950s, it was not until the release of two albums in the 1990s that Cesaria would emerge to international acclaim in the “world music scene,” a ubiquitous though absurd catch-all category that seems to mean “music made by people from some weird place I’ve never heard of.”
Cesária Évora deixou Mindelo, São Vicente, para cantar a morna nos palcos mais importantes do mundo e, ao longa da sua trajetória, ganhou um Grammy e uma condecoração francesa da Ordre National de la Legion d’Honneur (Ordem Nacional da Legião de Honra). Embora tivesse apresentado-se constantemente desde os anos 1950, foi só com o lançamento de dois álbuns na década de 1990 que Cesária foi aclamada pela cena internacional da “world music”, uma onipresente embora absurda categoria abrangente que parece significar “música feita por pessoas de algum lugar estranho que eu nunca ouvi falar.”
Ainda sobre o provável desconhecimento do público internacional sobre Cabo Verde, o blog Passaport to escreve:
Not too many people know much about (or have even heard of) the tiny, 10-island West African country of Cape Verde. But even though relatively few actually understood her song lyrics, plenty in Europe, Africa, and the rest of the world certainly knew and loved its most famous native daughter. (…) But the lady has left behind a gorgeous legacy (…) that have taught the world about Cape Verde’s distinctive national music, called morna.
Muitas pessoas não sabem muito sobre (ou ouviram falar) de Cabo Verde, essa minúscula ilha na África Subsaariana. Mas, apesar de relativamente poucos realmente entenderem as letras de suas canções, muitas pessoas na Europa, África e no resto do mundo certamente conheciam e amavam a sua filha mais famosa. (…) Mas a senhora deixou um legado maravilhoso (…) que ensinou o mundo sobre a inconfundível gênero musical de Cabo Verde chamado morna.
Rumos da música de Cabo Verde
Cesária e Maria de Barros. Foto compartilhada pela cantora Maria de Barros no Facebook
E com Cabo Verde em foco, surge a discussão sobre quem irá ocupar o papel de porta-voz da música do país.
O cenário atual apresenta-se de forma bastante distante daquele encontrado por Cesária Évora. Chama-se a atenção para o fato das maiores representantes da música cabo-verdiana da nova geração serem “filhas da diáspora”:
As candidatas à sucessão de Cesária Évora como “a voz de Cabo Verde” são cabo-verdianas nascidas em outras partes do mundo, na maior parte dos casos em Lisboa. Mayra Andrade, a mais bem colocada, nasceu em Cuba e vive em Paris. Se Cesária Évora, falecida no sábado, era, é, “a voz de Cabo Verde” e o maior emblema internacional do país, o desaparecimento físico da diva dos pés descalços deixa vago, de certa forma, o lugar que a filha do Mindelo até aqui ocupava no panorama musical internacional. As candidatas à sucessão são várias e mais ou menos conhecidas, tendo em comum o facto de, ao contrário de Cesária, não terem nascido em Cabo Verde e serem, antes, filhas da diáspora crioula.
Entre os nomes citados estão Mayra Andrade, Lura, Nancy Vieira, Sara Tavares, Carmen Souza, Maria de Barros, Danae e Isa Pereira. Algumas nascidas em Cabo Verde, outras não, com temporadas no país ou não, e com os mais variados diálogos musicais, como no caso de Carmen Souza, que funde as tradições cabo-verdianas com o jazz, ou Maria de Barros, com influência da música latina, principalmente da salsa.
O que parece existir é um esforço de renovação e diálogo da música de Cabo Verde, mas com fortes ligações às raízes da tradição musical do país. O que é notável são as portas para a música cabo-verdiana abertas por Cesária Évora e a força de seu trabalho, que, de uma forma ou de outra, apresenta-se influente no trabalho de todas as cantoras citadas anteriormente, seja musicalmente, seja por inspiração e amor ao país e à língua, e por onde espera-se darem seguimento, de um jeito ou de outro, ao legado deixado por ela.
Sejam quais forem os caminhos da música cabo-verdiana de rumo internacional, a presença de Cesária Évora é única e deixará sempre Sodade. Tom Devriendt, do blog Africa is a Country, explica o significado de uma das mais belas palavras da língua portuguesa: “Saudade” (“Sodade”) – também título da canção que a deixou conhecida pelo mundo – e partilha vídeo da canção “Dor di Sodade” a partir do álbum “Radio Mindelo”, de 2009, com fotos antigas da cantora:
One of the many meanings of “Sodade” — that most difficult to translate Creole word — is a feeling of loss.
Um dos muitos significados de “Sodade” – a palavra mais difícil de traduzir do Crioulo – é um sentimento de perda.
Fonte: Global Voice