Por Luiz Mendes
Não fiquei nem um pouco feliz com a condenação dos policiais militares envolvidos na matança do Carandiru. Depois de tudo o que vivi, nem ao meu pior inimigo recomendaria a prisão. Não sinto alegria alguma em saber que mais pessoas vão sofrer o que eu já sofri. Claro, eles precisavam ser condenados. Absolver seria dar aval às matanças futuras. Não acredito em castigos ou recompensas, mesmo porque não creio em “bem x mal”, esse maniqueísmo redutor e ultrapassado. Sou contra o massacre, a matança indiscriminada, mas não contra os homens que a praticaram. Não estou em luta ideológica. Acredito que devemos sempre procurar as consequências e trabalhar nelas para que não ocorram novamente.
Não creio que os culpados sejam somente aqueles que praticaram os crimes. Eu me preocupo em saber em como aqueles homens chegaram àquele grau de barbárie e saíram matando tudo que vissem pela frente. Com certeza isso não partiu de alguma “loucura” deles. Não é possível que 23 homens fiquem “loucos” assim de repente, em conjunto e para a mesma finalidade. São homens que juraram fazer cumprir a lei, pertencentes a uma sociedade cristã segundo a qual matar é pecado capital: o que aconteceu de fato?
Doutrina. Essa é a palavra: doutrinação, lavagem cerebral e a prática das ideias de condicionamento humano de Pavlov. Esses homens vêm sendo doutrinados para se tornarem insensíveis e treinados para o combate armado, para matar ao mais leve sinal de resistência ou risco. Esse ainda é um ranço da ditadura que a sociedade civil ainda não conseguiu coragem para acabar. Do jeito que as coisas estão, parece que vivemos uma guerra entre os policiais e todas as pessoas desajustadas da sociedade. A estupidez gera certezas absolutas. E a disciplina militar é toda embasada em regras inflexíveis e doutrina.
O que precisamos é de uma polícia cidadã, que possua sensibilidade e flexibilidade para lidar com o público. Científica, investigativa e que possua critérios humanos para suas ações mais viris. Assim é a polícia nas nações civilizadas. Como em quase toda parte do nosso planeta (salvo países totalitários), a polícia é civil e não militar. O militar é treinado para defender a nação de possíveis ataques vindos do exterior e não para atuações internas. Claro, pode até servir de apoio para a polícia civil, mas não fazer o seu papel.
É de se pensar que um homem condenado a essa quantia exagerada de anos de prisão, 156 anos, à primeira oportunidade desapareça. E então o juiz dá o direito a eles de apelarem da sentença em liberdade. Parece brincadeira; talvez nem o juiz acredite na pena que sancionou. É como nos EUA, onde o sujeito pode ser condenado a três ou mais penas de morte. É uma pena que inviabiliza a ideia de justiça, absurda por sua impossibilidade. Terá de ser reduzida a uma quantia exequível e razoável. Mas foi assim também para o Coronel Ubiratan: condenado a um excesso de penas, foi absolvido na apelação. Será esse mais um jogo de cartas marcadas?
*Luiz Mendes é escritor. Autor de quatro livros, no primeiro deles, “Memórias de um sobrevivente”, discorre sobre os 31 anos em que passou preso. É ainda colunista da revista Trip e, no dia do Massacre do Carandiru, estava em um prédio vizinho, na Penitenciária do Estado.
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Fonte: Carta Capital