A Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei que inscreve o nome da escritora Carolina Maria de Jesus (1914-1977) no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. O texto segue para o Senado. De autoria da deputada Erika Hilton (Psol-SP), o Projeto de Lei 773/24 contou com parecer favorável da deputada Daiana Santos (PCdoB-RS) pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ). O projeto foi votado em Plenário nesta quarta-feira (27).
Carolina Maria de Jesus é considerada uma das mais importantes escritoras negras do País. Ela viveu boa parte de sua vida na favela do Canindé, na zona central da cidade de São Paulo (SP), sustentando a si mesma e a seus três filhos como catadora de papéis.
Seu primeiro livro, Quarto de Despejo: Diário de uma favelada, de 1960, vendeu cerca de 10 mil exemplares em apenas uma semana e foi traduzido para 13 idiomas, sendo distribuído em mais de 40 países.
A relatora, deputada Daiana Santos, afirmou que a importância do legado de Carolina Maria de Jesus transcende as fronteiras da literatura e se estende à formação de uma consciência crítica sobre a realidade brasileira, bem como à valorização da diversidade cultural e social que compõe a realidade do povo brasileiro. “Carolina Maria de Jesus é referência de mulher negra, da luta e da resistência do nosso povo”, disse.
Segundo a deputada, a obra da escritora tem impacto positivo na construção da identidade nacional e no enfrentamento das desigualdades. Já a autora do projeto aprovado, deputada Erika Hilton, ressaltou que Carolina de Jesus é símbolo de coragem, garra, resistência e perseverança. “Se isso não é um exemplo à Nação, o que será?”, questionou. “Sem nada, sem recurso, sem escolaridade, sem ninguém acreditar, ela foi lá e produziu ciência literária.”
Erika Hilton celebrou a aprovação do projeto na Câmara em suas redes sociais. “Reconhecer Carolina Maria de Jesus como uma Heroína da nossa Pátria é fazer justiça com sua história e o que ela representa para a literatura, para as mulheres negras e o nosso povo, que assim como ela, é cotidianamente excluído e marginalizado em nosso país”, afirmou.
Quem foi Carolina Maria de Jesus
Carolina Maria de Jesus (1914-1977) foi uma escritora, cronista e poeta brasileira cuja obra revelou de forma visceral as desigualdades sociais, o racismo e as condições de vida nas periferias urbanas do Brasil. Nascida em Sacramento, Minas Gerais, em uma família pobre e negra, Carolina teve acesso limitado à educação formal. Ainda assim, frequentou a escola por apenas dois anos, o suficiente para aprender a ler e escrever, habilidades que seriam decisivas para sua trajetória literária. Órfã de pai ainda jovem, ela foi criada pela mãe, uma lavadeira, e desde cedo conheceu a dureza do trabalho braçal e a exclusão social imposta à população negra e pobre.
Em 1937, Carolina deixou Minas Gerais e mudou-se para São Paulo em busca de melhores condições de vida. Passou a viver na favela do Canindé, às margens do rio Tietê, sustentando-se como catadora de materiais recicláveis enquanto criava sozinha seus três filhos.
Foi durante essa rotina de extrema precariedade que Carolina começou a registrar suas experiências e reflexões em cadernos que encontrava no lixo. Escrevendo à noite, à luz de velas, narrava o cotidiano da favela, a fome que a consumia, os conflitos com vizinhos, o preconceito racial e as contradições de uma sociedade que negava dignidade às pessoas pobres.
O reconhecimento literário de Carolina começou quando o jornalista Audálio Dantas, em 1958, a conheceu durante uma reportagem na favela e descobriu seus escritos. Impressionado com a força narrativa e o olhar crítico de seus diários, Dantas ajudou a editar e publicar “Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada” em 1960.
A obra foi um marco na literatura brasileira, trazendo à tona uma perspectiva até então ignorada pelas elites literárias e pela sociedade. Escrita em uma linguagem direta e impactante, a narrativa desnudava as condições de vida da favela, expondo a fome, o racismo estrutural e a ausência de políticas públicas efetivas. O livro tornou-se um sucesso imediato, com tiragens esgotadas no Brasil e traduções para mais de 13 idiomas, consolidando Carolina como uma voz singular na literatura nacional e internacional.
Apesar do sucesso, Carolina enfrentou dificuldades em consolidar sua carreira literária. A fama repentina não foi suficiente para afastá-la das adversidades financeiras. O racismo e a elitização do mercado editorial dificultaram sua permanência no meio literário, enquanto a crítica da época, predominantemente branca e masculina, muitas vezes desqualificava sua produção como algo “simples” ou “amador”.
Carolina publicou outras obras, como “Casa de Alvenaria: Diário de uma Ex-Favelada”, onde refletia sobre sua vida fora da favela, e escreveu diversos poemas, peças de teatro e músicas, parte dos quais só foi publicado postumamente.
Carolina passou seus últimos anos em Parelheiros, um bairro periférico de São Paulo, longe dos holofotes que marcaram brevemente sua vida. Morreu em 1977, aos 62 anos, em relativo esquecimento, mas seu legado ressurgiu com força nas décadas seguintes, à medida que movimentos sociais e acadêmicos redescobriram sua obra.
Hoje, Carolina Maria de Jesus é reconhecida como uma das mais importantes escritoras do Brasil, um símbolo de resistência e uma das primeiras vozes a dar protagonismo literário à vivência das mulheres negras e das populações marginalizadas. Sua obra inspira debates sobre desigualdade, racismo e o papel das periferias na construção da identidade nacional.