Cearense? Negra? Indígena? De onde vim? – Por: Thayz Athayde

Durante muito tempo escondi que sou cearense. Foi uma coisa pré-adolescente, dizia para todo mundo que era paulista, mudava o sotaque e negava minhas raízes. Depois de um tempo, entendi a bobeira disso tudo e me assumi como cearense. Assumi, mas não me reconheci.

Texto de Thayz Athayde.

Durante minha adolescência neguei minhas raízes indígena e negra. Tenho a pele branca e sou lida como tal. Nunca passei por toda a violência que pessoas negras passam, quero deixar isso bem claro. Meus traços carregam a negritude. Meus traços não negam que minha família é indígena. Durante muito tempo sonhava em ter outro rosto, outros traços. Me achava feia. Vivia imaginando como minha vida seria mais feliz se eu tivesse o rosto da Liv Tyler.

Minhas amigas viviam dizendo que eu tinha nariz de bolinha. Eu olhava para meu rosto e sentia que nada encaixava. Por que meu nariz era assim? E meus olhos? E a boca? E meu corpo? Nada fazia sentido para mim. Eu só falava que era descendente de espanhóis e qualquer outro traço europeu que pudesse achar. Comecei a alisar o cabelo. Lutava comigo mesma para ser outra pessoa. Mesmo que não fosse.

 

Até que um dia, descobri que existe algo chamado: processo de branqueamento. É claro que o processo que passei não se compara com o que pessoas negras passam. Eu sou lida como branca na sociedade e por isso tenho muitos privilégios.

O que quero dizer é que esqueci das tardes com minha bisavó. Do jeito que ela comia com a mão, não sentava à mesa, ficava de cócoras e de como ela me explicava o motivo de estar de cócoras. Esqueci dos meus tios, tias, primos, primas e de toda sua negritude. Esqueci que dizia para minha mãe que queria ter o cabelo igual da minha prima, que é negra. Esqueci o quanto achava minha prima linda. Esqueci que vivia dizendo para minha mãe que achava a franja de minha prima linda, porque era crespa. Esqueci que minha avó era benzedeira. Esqueci quem era meu avô, minha avó. Meu tio, minha tia. Meu pai, minha mãe. Eu só queria saber o motivo de não ter olho azul. E assim esquecia o motivo de ter os traços que tenho.

Hoje, tenho orgulho das cores da minha família. Tenho orgulho do meus traços. Não aliso mais o cabelo. Descobri meu cabelo crespo. Revivi aquele sentimento de admirar o cabelo da minha prima. Hoje sei quem sou. Não nego mais de onde vim. E sou linda. Não preciso de outro rosto. Eu preciso do meu rosto. Do meu rosto que é indígena e negro. Hoje eu tenho orgulho de onde vim.

Meu nome é Thayz, nasci em Fortaleza, Ceará. Sou nordestina com muito orgulho. Sinto orgulho do meu sotaque, do meu jeito cearense, do meu cearensês. Amo minha terra. Falo com um carinho muito bonito da onde vim. Minha família por parte de pai é indígena e negra. Minha família por parte de mãe também carrega a negritude. E eu carrego tudo isso em mim. Só que agora não escondo, mas escancaro para quem quiser ver e pra quem não quer também. Minha pele é branca e assumo isso. Não sou negra, não sou indígena. Mas, o meu passado é. Não esqueço mais de onde vim. E lembro para todas as pessoas que sou tudo isso, porque lembrar também é resistir.

Fonte: Blogueiras Feministas

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