Chacina do Cabula: o som ensurdecedor da ancestralidade

 “[…]E como nós caminhamos, nós temos que fazer a promessa que nós sempre marcharemos à frente. Nós não podemos retroceder. Há esses que estão perguntando para os devotos dos direitos civis, “Quando vocês estarão satisfeitos?” Nós nunca estaremos satisfeitos enquanto o Negro for vítima dos horrores indizíveis da brutalidade policial. […]”

 Discurso de Martin Luther King (28/08/1963)

Por Lena Azevedo, do Caros Amigos 

Há dois anos, em 6 de fevereiro de 2015, policiais militares das Rondas Especiais da Bahia (Rondesp) executaram 12 jovens negros na Vila Moisés, bairro do Cabula, em Salvador (BA), em um campo de futebol. Outros seis conseguiram escapar, fingindo-se de mortos. Vila Moisés ouviu naquela madrugada 500 tiros, sendo que 100 deles atingiram meninos já rendidos, sem chance de defesa. O Ministério Público Estadual, com provas, laudos e depoimentos, comprovou a ação premeditada da polícia. O Ministério Público Federal pediu a federalização do caso, por entender a falta de isenção do estado da Bahia em apurar e ser responsabilizado por essas mortes. O caso aguarda uma decisão do Superior Tribunal de Justiça, que considera preocupante que tenham ocorrido, entre janeiro de 2013 e 30 de junho de 2015, 616 autos de resistência , “sendo que muitos desses casos tivessem sequer inquérito policial instaurado” (e-STJ- fl. 52). A Chacina do Cabula está marcada na história, com os ecos dos gritos de dor daquela madrugada, o choro de uma comunidade inteira que viu aqueles garotos cresceram por entre seus becos e escadarias, na revolta e incompreensão da brutalidade sórdida e gratuita de policiais.

O sistema que incorpora homens e os transforma em assassinos frios continua a realizar o genocídio planejado do povo negro. No dia 4 deste mês, 48 horas antes de completar dois anos da Chacina do Cabula, militares voltaram a matar mais três jovens e ferir outras duas pessoas durante uma abordagem na mesma Vila Moisés. No dia seguinte, militantes da Reaja faziam grafites em referência à matança, lembrando cada um dos nomes dos jovens assassinados. Policiais da Rondesp, usando brucutus (toucas ninjas) passaram intimidando o grupo e posteriormente fotografando os muros grafitados.

Cabula, antigo quilombo, destruído em 1807 a mando do então governador e capitão general da Capitania da Bahia, é lugar histórico de resistência e, por decorrência, de perseguição aos negros. Cabula (kimbula), lembra Yeda Pessoa de Castro, na obra Falares africanos na Bahia (2001), é uma palavra de origem banto da língua quicongo. Um dos significados remete ao toque de chamamento para a luta. E diziam que o som dos tambores era tão alto que atormentava os escravocratas.

Ainda que se executem negros e negras no Cabula, a resistência faz parte da sua natureza. É ancestral. A palavra carrega a força do nome e continuará incomodando os genocidas. Cabula é grito de guerra, ritual de luta. Pelos jovens mortos continuam ecoando os tambores ensurdecedores do quilombo e como um machado rasgando a noite se escutará ao longe 12 vezes Cabula!

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