A chacina em Campinas e o ódio que se transforma em máquina de matar mulheres

Sidnei Ramis de Araújo é autor da chacina de ano-novo em Campinas. Matou Isamara Filier, com quem foi casado, e seu filho, João Victor. No ímpeto de ódio, matou outras nove pessoas da família, com preferência pelas mulheres. Antes de pular o muro da casa e iniciar a matança escreveu uma carta – nela, as mulheres são vadias; os homens, vítimas de leis injustas. Sidnei fez da carta um apelo a que outros homens reajam contra o que descreve como “feminismo das vadias”, pois espera que pais se inspirem e “acabem com as famílias das vadias”.

Fonte: Huffpost Brasil

por, Débora Diniz

Não me cabe julgar ou diagnosticar Sidnei. Ele mesmo se pergunta se estaria louco, e a sentença comum é que “só um louco faria o que ele fez”. A loucura parece explicar o horror e, ao mesmo tempo, nos acalmar, tornando Sidnei alguém distante de nós. Pode até ser que Sidnei seja daquelas figuras que os manuais de psiquiatria descrevem como “psicopata”, mas a loucura não explica as raízes da fantasia misógina do matador. Psicopata ou macho enfurecido, Sidnei matou Isamara e sua família porque não suportou a separação, porque não reconheceu a força da lei penal contra seu abuso patriarcal, porque se viu sem o mando doméstico como soberano.

Sidnei explicou para o mundo as razões de sua fúria – a autoridade patriarcal foi desafiada quando Isamara o deixou, quando o denunciou à polícia, quando afastou-se do casamento. Sua confissão é lúcida ao nos mostrar o mundo de ódio ao feminismo, às vadias, à independência das mulheres. O enredo é já conhecido como de autoria de grupos masculinos, autoritários e abundantes nas redes sociais: os mesmos que defendem a liberação das armas, que ironizam os movimentos de direitos humanos, que descrevem a cadeia como hotel de relaxamento. Foi para eles que Sidnei escreveu a carta – uma espécie de reconhecimento das razões de se fazer matador na noite de ano novo. O sarcasmo depreciador movimenta paixões ensandecidas: Sidnei matou e fez de suas razões um espetáculo, pois sabia que teria plateia.

É para os homens que Sidnei imaginou que convocaria à matança que faço outro apelo. A chacina será investigada pela polícia, mas o enredo da confissão deve lhes causar vergonha. A misoginia, o ódio às mulheres, deve ser prática abominada – não é liberdade de expressão, mas incitação ao ódio. Para alguns, o ódio permanece nas palavras; para outros, como Sidnei, o ódio é uma arma que mata. Homens, não sejam cúmplices do matador de ano-novo: se não suportam ver as mulheres livres e independentes em 2017, ao menos se silenciem. Deixem as mulheres em paz.

+ sobre o tema

STJ regride Lei Maria da Penha

Um Ministro do Superior Tribunal de Justiça, entendeu que...

“Se a bandeirinha é bonitinha, que vá posar na Playboy”

A agressão verbal contra a auxiliar Fernanda Uliana prova...

para lembrar

ONU cita Lei Maria da Penha como pioneira na defesa da mulher

Sancionada em 2006, a lei aumentou as punições em...

Analise da lei do estupro

Introdução O vil delito de estupro, que sempre representou a...

Mulheres denunciam violência de gênero crescente em todo o país

Mais de meio milhão de mulheres são estupradas todos...
spot_imgspot_img

Homem é preso em Manaus suspeito de matar grávida por não querer filho negro

A Polícia Civil do Amazonas prendeu em Manaus um homem apontado como sendo o assassino de sua ex-namorada grávida de sete meses. As investigações, segundo a corporação,...

Violência política contra as mulheres é estratégia de ataque à democracia, diz especialista

Neste 25 de novembro, Dia Internacional pelo Fim da Violência contra as Mulheres, o Brasil se depara com um número alarmante. Segundo pesquisa elaborada...

Edificar o lar

Na verdade eu venho pensando mais fortemente nisso desde que vi a notícia sobre o brutal assassinato da pastora Sara Mariano. Ela foi morta...
-+=