Chega de desrespeitar a nossa sexualidade, diz Luiza Maia

Tratada, no início, com chacotas pelos seus pares, por defender a bandeira contra as músicas de pagode que humilham as mulheres, a deputada estadual Luiza Maia (PT) além de conseguir aprovar a lei antibaixaria na Assembleia Legislativa, com a ajuda da pressão da sociedade organizada, levou sua cruzada para o interior onde leis similares já estão vigorando em 17 municípios. Lutando pela valorização da mulher, ela vê com simpatia tanto a candidatura de Lídice da Mata (PSB) como a estratégia do seu partido de colocar uma mulher como vice na chapa do pré-candidato ao governo Rui Costa (PT).
Qual o balanço do projeto anti-baixaria, que proíbe a contratação pelo governo de bandas de pagode que executam músicas que depreciam a mulher?

Além de ser aprovado no âmbito do governo do Estado, 17 municípios baianos já adotaram leis similares e, em mais uns trinta, o projeto está em tramitação. A insistência em aprovar esse projeto foi muito positiva. Houve um debate muito duro, nove meses de campanha para a Assembleia Legislativa aceitar a ideia de aprovar a lei.

Seus colegas deputados, trataram o assunto com desdém?
Com desdém? Você precisava ver o que eu ouvi ali. Disseram que eu queria tirar o direito das meninas gostosas dançar, que eu estava velha, que era para resgatar a censura, impedir a liberdade de expressão artística. Com muita paciência, expliquei que era para não usar dinheiro público para financiar quem faz campanha para desmoralizar e rebaixar a mulher. Seria contraditório não aprovar. Nós temos um governo, hoje, que investe em políticas para resgatar a cidadania da mulher, o combate à violência contra a mulher e a própria Lei Maria da Penha que o presidente Lula sancionou. Esse mesmo governo vai financiar o que está na contra-mão dessa política? Não. Seria um absurdo?

A sociedade ajudou na aprovação?
Muito. Como o debate ganhou corpo na sociedade, eles ficaram inibidos…

O próprio governador Jaques Wagner apoiou…
Na conferência das mulheres, o discurso do governador me botou lá em cima e falou que a lei estava correta e tudo mais. Tinha em torno de duas mil delegadas, umas trezentas observadoras e umas 500 convidadas. Falei cinco minutos e disse que essa conferência tinha que dizer para a Assembleia Legislativa que a aprovação desse projeto é uma necessidade para a vida das mulheres. Temos o direito de viver em paz, sermos valorizadas, não dá pra viver num País em que a campanha de parte da grande mídia é para estraçalhar a mulher. A conferência pulou com essas palavras e os machistas ficaram com os olhos arregalados. Desse dia em diante eles (os deputados) foram amaciando. Tenho certeza: só votaram por causa da pressão da sociedade. Tive o apoio de todas as instituições públicas que tem núcleo de mulheres. Virou uma coisa suprapartidária, de uma parcela grande das mulheres que viviam constrangidas, incomodadas com a situação e não achavam uma saída para frear aquilo (as músicas).

Depois do projeto aprovado a senhora recebeu ameaças desses grupos ou seus fãs?
Durante a discussão para aprovar foi que eles me ameaçaram. Tinha uma conta no twitter de um pessoal chamado “adoro meu pagodão” que postou: “se aprovar a gente mata essa descarada”. Enfim, as mulheres tomaram conta do plenário da Assembleia Legislativa, juízas das varas de violência, as delegadas ou seja, virou uma pressão para eles (os deputados) que não tinha como não aprovar. A aprovação foi em março de 2012. Ainda não foi regulamentada pelo governo, mas a partir daí não contratou mais essas bandas. Mas é bom que regulamente para definir quem vai fiscalizar.

A partir daí a senhora partiu para o interior?
Sim, criamos um kit anti-baixaria, com a lei estadual, letras de algumas das músicas, a repercussão, etc e em todo encontro de prefeitos eu distribuía aos gestores. Fiz debate também na Câmara de Maceió, Fortaleza e Aracaju. Até para Portugal me convidaram. Uma brasileira de uma cidade portuguesa que organiza um evento grande entrou em contato conosco para fazermos um debate pois estava chegando por lá o forró de plástico e o pagode da baixaria. Mas não deu pra ir.

Dentro dessa linha, a senhora apresentou projeto contra exposição propaganda que usem imagens de mulheres nuas…
Que utilizem imagens sexuais ou pornográficas como atrativo. Não tenho nada contra a publicidade, agora você vai vender pneu de carro, tem que ter mulher pelada junto? Uma loja que vende biquinis tudo bem, mas pneus?

A reação a esse seu projeto vem do fato dele ser interpretado como censura.
Não é censura. O projeto é um pouco pedagógico. Sei que na hora que tiver pessoas educadas e com consciência crítica esse tipo de produção fere a nossa dignidade, eles não vão ter público, plateia. Essa coisa também é dirigida para os adolescentes que ainda estão formando suas personalidades. O pai de uma menina de quatro anos me procurou para me apoiar pois ela estava dançando simulando uma relação sexual. Imagine, uma criança de quatro anos. Ai cresce sabendo que mulher não tem valor, que nossa sexualidade não é respeitada em nada. É uma publicidade que sempre nos rebaixa ao objeto. O que se está vendendo não é o produto é a mulher pelada e com padrão de beleza que eles impõem, porque se for depois dos 40 anos e não tiver peito bonito, bunda e coxas grandes não servem pra nada.

Mas esse projeto de lei não é inconstitucional, não trata de uma coisa que só pode ser mudado na Constituição Federal?
Não dou muito importância a isso, porque minha intensão é levantar o debate sobre o assunto. Se tiver alguma inconstitucionalidade a gente corrige, pois nós temos a nossa Constituição Estadual, mas acho que não há problema. A ideia é conscientizar.

Esse seu pensamento não se aproxima do que defende o deputado conservador pastor Isidório de Santana, que criticou cenas que considerou imorais na TV?
A minha diferença em relação a Isidório é quanto à homofobia. Eu acho que ele não deveria fazer o que faz com os homossexuais. Eu não faço apologia ao homossexualismo, mas são serem humanos, precisam ser respeitados, está na nossa Constituição.

Mas essas queixas dele em relação ao BBB a senhora concorda?
Concordo. Ele tem um conteúdo um pouco conservador e naquela ideia de tradição, família e tudo mais. Não sou falsa moralista. Existem vários tipos de família, o que ele tem que ver é que a sociedade cresce e desenvolve e os seres humanos tem que ter autonomia e liberdade para fazer o que quiser na sua vida, contando que não vá ferir o direito do seu semelhante.

É o seu primeiro mandato. A senhora se sentiu discriminada na Assembleia pelo fato de ser mulher?
Houve um pouco de discriminação na medida que quiseram colar em mim uma marca que não é minha, a de que eu fui pra lá fazer confusão, zoada, que eu gosto de aparecer. Esse tipo de comentário não incomoda. Aparecer eu quero, porque sou uma pessoa inconformada com a desigualdade, preconceito, racismo, com desvalorzação da mulher e machismo. Se eu não apareço dizendo o que eu penso e chamo as pessoas para junto comigo tentar alterar essa realidade, não vai ter sentido.

E em casa, o seu marido, o ex-prefeito (de Camaçari) Luiz Caetano pediu pra a senhora maneirar nessas suas ações?
Ao contrário, ele me apoia totalmente.

Nesse sua defesa intransigente da mulher não seria mais coerente a senhora apoiar a chapa da senadora Lídice da Mata (PSB) ao governo? Não seria contra seus princípios apoiar o candidato do PT que é homem?
É questão de orientação partidária e do grupo político que a gente participa. Eu fico muito sensibilizada porque é uma das minhas campanhas, colocar mais mulheres na política. O mundo capitalista e machista deixou a política com mais espaço para homens e isso é a coisa mais equivocada que a gente vê. Não só pela questão dos nossos direitos como mulher que são desrespeitados, mas também, as estatísticas mostram, todo lugar que a mulher ocupa espaço de poder está dando certo. A inclusão da mulher na política está diretamente ligada à reforma política. Por isso que a gente pede a lista partidária com paridade entre homens e mulheres.

Com a metade de candidatas mulheres?
Sim. A cota hoje é de 30%, mas não se cumpre porque não tem punição. Na Argentina implantaram esse sistema de cotas e se o partido não cumpre é punido. Então, o índice de mulheres participando do parlamento lá é de 47%. A mulher nasce sendo educada para cuidar do irmão, da boneca, da casinha, da comida. Para você se libertar disso não é fácil.

A senhora então defende que uma mulher seja escolhida para vice de Rui Costa?
Sou muito simpática a isso. Agora o Marcelo (Nilo) e o (Mário) Negromonte tem discutido a questão do vice com a gente. Mas, a essas alturas do campeonato somos favoráveis a tudo. O fato de Lídice ter saído do nosso bloco cria uma situação complicada. Mas eu sou muito fã dela como parlamentar. É uma pessoa que tem uma linha de defesa dos direitos da mulher e como política tem dado conta do recado. Mas somos muito poucas ainda. Tem gente que diz: não sei por que vocês reclamam, pois as mulheres estão em todos os lugares. Sim, mas vá ver a nossa representação no espaço de poder , não chega nem a 10%.

Embora tenha a presidente da República Dilma Rousseff…
Mas ela foi pela história política, pela trajetória de suas luta, não foi por um esforço do movimento das mulheres e das feministas. Claro que a gente tem muito orgulho de ter uma mulher como Dilma na presidência da República. Agora foi uma coragem do PT, dos partidos aliados, do próprio Lula que foi, praticamente, o mentor dessa iniciativa. Só muita coragem numa sociedade machista como a nossa lançar uma mulher candidata ao cargo máximo do Brasil.

Mas existe esse efeito de uma mulher, como vice de Rui Costa, a chapa dialogar melhor com a população?
Acho muito interessante, até porque saiu uma pesquisa recente em que 70% da população brasileira diz que tem simpatia pela mulher na política.

Qual a próxima ação legislativa da senhora?
Não quero falar mal da minha Casa, a Assembleia Legislativa, mas tenho que colocar minha opinião crítica. O Poder Legislativo precisa ser renovado. Não está correto um poder trancado como é. Eu sai de um município (Camaçari) em que a efervescência política é muito grande. Fui presidente da Câmara Municipal duas vezes. O nosso auditório com capacidade de 250 pessoas, nos dias de sessão, ficava lotado de partidários de todas as siglas. Chega na Assembleia, no dia da posse (dos deputados) só podia convidar uma pessoa porque na galeria só tem 70 lugares. Ou seja, não tem uma proximidade com a população. Acho uma Casa muito trancada. Não quero ser melhor que outro deputado, mas estou na política pela luta. Não me conformo com determinadas coisas que vejo na sociedade.

Como poderia abrir mais a Assembleia Legislativa?
Meu primeiro projeto foi o voto aberto. Até para dar o título de cidadão tem que ser voto secreto, pra derrubar veto do governador, pra eleger a mesa da Assembleia, tudo é secreto. Na Câmara de Camaçari fizemos uma reforma no regimento, implantamos o voto aberto, a tribuna popular – um dia da semana para que os representantes de movimentos sociais falem no parlamento . Fiz também uma reforma administrativa porque os 12 vereadores de lá tinham 500 assessores. Tirei 200 brigando com deus e mundo, mas com apoio do Ministério Público. O gestor que ouve o povo tem menos chances de errar.

A senhora vai levar essa bandeira anti-baixaria no carnaval?
Sim, na Mudança do Garcia (desfila na segunda). No primeiro ano o desfile foi com a campanha pela aprovação do projeto da Lei Anti-baixaria. No ano passado, já aprovado, o slogan foi “agora é lei, entre nesse bloco”. Esse ano será “anti-baixaria também nos municípios”. Nós distribuímos 1.500 camisas, mas o bloco agrega muito mais gente. Isso faz parte dessa luta, porque não é uma lei que vai mudar uma cultura de 500 anos dizendo que a mulher é inferior, que pode tomar porrada. É preciso fazer campanhas educativas para incutir símbolos positivos na cabeça das crianças e não que a mulher não vale nada, que rala sua genitália no asfalto, que toma tapa na cara.

 

 

Fonte: A Tarde 

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