Chuvas de amor

Lembro que na juventude amar se parecia a devorar. Tinha a ver com seduzir a alma e degustar a carne. Uma mistura de intelecto e quadris. Dançar sob luzes estroboscópicas e sair para incendiar lençóis. A gente pode chamar esse negócio de amor-paixão. Ver-se refletido no outro. Respirar e existir para o outro.

Por Fernanda Pompeu Do Fernanda Pompeu

Digo juventude, mas é claro que o amor-paixão pode sorrir para qualquer idade. Tem casal velhinho apaixonado, mesmo sem luz piscante e sexo da hora. Assim como existe mocinho com coração resistente como madeira de lei. A idade das pessoas pouco tem a ver com os sentimentos. Estes não dão bola para a cronologia dos calendários.

Mas o que quero nesta tarde de outono paulistano é falar do amor microscópico – o que não se exibe, o que não escreve poemas e nem toca no iPhone. O amor da viúva oitentona beijando o retrato do seu morto mais querido. O amor da menina de cinco anos pelo ursinho cheio de fiapos e sem um olho.

Amor que não rende capa de revista e nem sai nos jornais. O amor do vizinho por sua Brasília bege. O amor do senhorzinho e de seus amigos pela bocha de domingo. O amor do jovem engenheiro pelos mapas das águas. O amor da empregada doméstica pelo sucesso da filha advogada.

O amor da minha mãe por todas as florezinhas que encontra pelo caminho. Amarelas, brancas, azuis, roxas. Num passeio que fazíamos juntas, ela apontou para uma flor diminuta, escondida na folhagem. Eu não enxerguei. Ela deu um puxão no meu braço:

Aqui, aqui!, disse.

Como eu continuasse sem ver, ela se exaltou:

Você parece cega.

Minha mãe tem razão. Mantenho os olhos arregalados para o trânsito, para as contas, para os ponteiros do relógio. Nunca estou exatamente ou plenamente no momento presente. Se é de manhã, penso na tarde. Se de tarde, antevejo a noite. Então é evidente, fico cega para uma flor diminuta, efêmera, tímida atrás da folhagens.

Mamãe em 2014

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