Pesquisadoras brasileiras se destacam ao desenvolver ciência e mostram ao mundo o poder feminino
Por Hélio Euclides, no Maré Online
O assunto do momento é o novo coronavírus. O primeiro passo numa luta é conhecer o adversário: sequenciar o genoma do vírus, que permite monitorar as diferentes entradas no Brasil, entender de onde ele veio e algumas características do crescimento, mutação e medidas a serem tomadas. O Brasil foi o primeiro país da América Latina a decifrar a sequência da amostra do primeiro caso de infecção da Covid-19 no país, em apenas 48 horas, por meio de cinco pesquisadoras.
As biomédicas Jaqueline Goes de Jesus, Ingra Morales, Flávia Salles e a farmacêutica Erika Manuli são as pesquisadoras do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo (USP), dentro do Instituto Adolfo Lutz (IAL). Elas fazem parte da equipe do Centro Conjunto Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (CADDE), liderado pela médica Ester Sabino.
O grupo trabalha com tecnologia de sequenciamento desde 2016, com Zica, Dengue, Chikungunya e no último surto da Febre Amarela. Mas foi o trabalho com o novo coronavírus que teve impacto no meio científico e na sociedade. Elas não esperavam a repercussão. “Isso tudo foi importante para que a sociedade veja que os brasileiros têm condições de fazer ciência com excelência. Apesar de todos os contras, fazemos um trabalho de qualidade”, comenta Flávia Salles.
Ela define que a ciência é investimento e que investir em educação é de extrema importância. “Esperamos que com essa repercussão, a sociedade veja o quanto a ciência e a universidade são peças importantes para um país se desenvolver. Que venham mais investimentos e que possamos devolver à sociedade esse conhecimento como está ocorrendo agora”, expõe. A pesquisadora exalta que o grupo é liderado por uma mulher e formado por jovens mulheres. “Talvez a sociedade esteja acostumada com a ciência sendo representada por homens. Acredito que as pessoas não tinham essa visão de mulheres fazendo ciência. Foi um choque ou um despertar. Muitas pessoas se sentiram representadas”, conclui.
Fernando Lucas Melo, professor visitante no Instituto de Biologia/Departamento de Fitopatologia da Universidade de Brasília (UNB), atua com sequenciamento e já trabalhou com o grupo de pesquisadoras, acredita que para a ciência não é relevante por serem mulheres, mas sim para a sociedade. “É importante pois pode estimular meninas a seguirem por este caminho, ao verem cientistas mulheres fazendo a diferença num momento tão importante”, comenta.
Mulheres brasileiras na ciência
A presença feminina entre pesquisadores no país está bem acima da média mundial. Dados da Unesco de 2019 apontam que apenas 28% dos pesquisadores são mulheres. Inês Cristina, coordenadora do projeto Nenhum a Menos, da Redes da Maré, diz que o feito das cientistas colabora no aumento feminino na ciência. “Em 2000, nós tínhamos a presença de 35% de pesquisadoras brasileiras. Agora são 45%, um forte impacto no trabalho do movimento feminista. Esse resultado vem das políticas de ciência e educação que foram implementadas a partir de 2006. Foram 10 anos de muito avanços e produção científica jovem. Negros e negras entraram nas universidades e no mundo da pesquisa”, comenta.
“Jaqueline é uma pesquisadora negra e nordestina, uma informação que melhora a autoestima das jovens de origem popular. Toda vez que uma mulher, negra, periférica sobe, ela já impulsiona a ascensão de outras. Quando valorizamos essas histórias, a gente mostra que essa população faz parte da nossa história, constitui toda riqueza e beleza do nosso país, está no sangue de todas famílias brasileiras”, conta a coordenadora. Para Inês, essas pesquisadoras ajudam todos os outros grupos de mulheres a serem mais fortes. Como marco, o Projeto Nenhum a Menos faz um trabalho sobre mulheres extraordinárias com crianças e essas pesquisadoras vão ter uma página no livro.
O feito das pesquisadoras deixou as mulheres orgulhosas “Vivemos num país estruturado nas desigualdades de raça, gênero e classe. Acredito que as lutas dos movimentos feministas tiveram o papel nessa conquista”, conta Ana Cláudia, especialista em gênero, sexualidade e direitos humanos, do DIHS/ENPS/Fiocruz. Ela relata que foi uma conquista coletiva resultante de lutas históricas que vislumbram a igualdade de direitos entre gêneros, a liberdade das mulheres e em todos os setores de sua vida. Uma vitória das lutas antirracistas é a importância das mulheres negras no poder. “Lembro de uma frase de Ângela Davis, que diz quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”, expõe.
A valorização da universidade pública
Ana destaca a importância das universidades públicas na luta da pesquisa. Papel fundamental para desenvolver e potencializar a ciência e para garantia de direitos através de políticas públicas de promoção à igualdade racial, de gênero e classe. Eblin Farage, professora da Escola de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Favelas e Espaços Populares, acredita que a defesa da universidade pública e gratuita é uma tarefa de todos.
“A pesquisa que levou ao genoma do novo coronavírus no Brasil foi feita na rede pública, por mulheres, para ajudar no desenvolvimento de remédios que possam salvar vidas. Só as universidades públicas têm esse objetivo, diferente da indústria farmacêutica que só tem interesse em vender e lucrar”, explica. Eblin avalia que a pandemia coloca em xeque o projeto dos ricos que segue em curso em quase todas as partes do mundo. De quando mais se precisa das lideranças governamentais, o que se percebe é um comprometimento com os interesses dos empresários e banqueiros e não com a vida da população, em especial a mais pobre.
As mulheres escrevem a história
Duília de Mello é pesquisadora associada da NASA, órgão de Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço dos Estados Unidos. Ela já visitou a Maré algumas vezes para falar sobre seu trabalho e os seus primeiros passos, que foram em faculdade pública, graduada em Astronomia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1985. Quando ela é questionada sobre uma mulher num cargo de cientista, Duília é categórica. “As meninas são influenciadas pelo tradicional, são estigmas de mães e pais. Por que só as meninas tiram os pratos da mesa? A sociedade precisa mudar”, afirma. Ela fundou a Associação Mulheres das Estrelas (AME), com o objetivo de levar cientistas a escolas, incentivando alunos ao ingresso na ciência.
Uma das mercadorias mais procuradas atualmente é o álcool gel. Mas poucos sabem que o produto, que possui a capacidade de destruir a camada externa do vírus, acabando com a sua chance de contaminação, foi inventado em 1966 por uma mulher, a enfermeira Lupe Hernandez. A jovem latina estudava enfermagem em Baskerfield, na Califórnia. Sua preocupação era com a falta de água e sabão para os profissionais da saúde, que precisam estar devidamente limpos para entrar em contato com o paciente.
Lupe começou a pensar em formas de fazer um produto que pudesse ser transportado de forma fácil. Ela percebeu que uma boa maneira seria fabricar um álcool em forma de gel. A princípio, o álcool em gel era usado apenas em consultórios e hospitais. A partir dos anos 1980, no entanto, o produto começou a ser comercializado para todos. Era impossível, há 54 anos, que Lupe pudesse prever o próprio coronavírus, mas é evidente que ela previu a utilidade de sua invenção: um produto que mata germes, bactérias e evapora, facilitando a vida de quem os usa quando não se tem uma torneira por perto.