Coisas de Minas: o caminho da perdição

FÁTIMA OLIVEIRA

Compartilho um monólogo imaginário com o senador José Alencar. Ele mesmo, o vice e Lula. O cenário é a lagoa da Pampulha. Fedida, porém bela. Quando estou “pê” da vida, é para lá que vou. Quando estou zen, também. Uma, duas, três voltas respirando Niemeyer, Portinari… arte e beleza. Desconfie de quem não se encanta com a Pampulha. Sempre levo para “dar uma volta na Pampulha” as pessoas que conheço quando vêm a BH. É um lugar de rara beleza, aprazível e ideal para conversas sérias, definitivas.

Antes, vi o governador Itamar, que precisa pedir perdão ao povo mineiro por ter se alinhado a FHC na defesa dos transgênicos. Até entendo sua postura na sucessão, embora não concorde com parte de sua decisão. É burrice duvidar das lendas. Ainda mais das mineiras. Lenda é lenda. E Itamar Franco é uma. Virar lenda não é para qualquer pessoa. Só as especiais viram lenda. Talvez seja sua missão destucanar “Aecinho”. Uma canseira governador, mas conforme Tancredo: “a gente tem a eternidade para descansar”.

Cara a cara com o senador. O que as feministas esperam de um governo que pretende ser nacional, popular e democrático? Respeito. É bom e nós gostamos. Respeito à pluralidade, à diversidade e ao status laico do Estado brasileiro. Não precisa ser um feminista, apenas referendar a milenar luta das mulheres. Exige-se que seja declaradamente anti-racista. O resto a gente toca. E dança. E bem. Somos decididas. Sabemos o que queremos. Não há o quê negociar. Está escrito na Plataforma Política Feminista. Leia-a e reflita sobre ela. Não temos um projeto de futuro a longo prazo a compartilhar com o senador. Nem ilusões. A luta de classes não acabou. Ficou mais complexa e entremeada por gênero, raça e etnia. Compartilhamos o hoje. Explico-me.

Jamais cogitei um dia ser sua eleitora. Prezo muito o meu voto e o entendo como uma arma de altíssima precisão, definidora de futuro, de vida e de felicidade, mas tenho de falar da minha emoção de vê-lo dizer, repetidas vezes, que mesmo se não fosse o vice de Lula votaria nele e faria campanha. Senti firmeza. Comecei a indagar o que faria um homem das elites, apesar do jeitão de homem simples do povo, um rico industrial de Minas, enfrentar seus pares de classe e de um partido dito liberal, contraditoriamente, abrigo de conservadores de diferentes matizes, dos fundamentalistas aos nem tanto?

O que move um homem do seu naipe dizer “estou com Lula”? É pieguice evocar a sua origem humilde. Cá prá nós, pobre é pobre e rico é rico. O bloco PT-PCdoB-PL não é uma fusão, mas uma aliança que envolve interesses de classes contraditórios (povo versus podres de ricos), logo é pontual e conjuntural – uma coalizão contra a indignidade. E aqui cai como uma luva o que disse o Dr. Caio Rosental: “Abaixo da linha do Equador, para ser um grande estadista, é preciso primeiro tratar as águas, canalizando os córregos e os esgotos, fornecer água potável e trocar o barro das casas pelo tijolo” (A saúde anda para trás. FSP, 28-06-02). Iluminada frase, que em si é uma agenda que prima pela decência ao desnudar o “risco-Brasil real” e consegue, com uma tacada de pena, reduzir a pó a alardeada excelência do senador José Serra no comando do Ministério da Saúde, cuja capacidade até para matar mosquito ficou aquém do necessário.

Via José Dirceu defendendo a aliança com o PL e dizia aos meus botões: “quem te viu e quem te vê”… Madeixas ao vento, megafone em punho… Era belo, radical e inesquecível! O que diria Iara? Iara de Dirceu, assassinada pelo braço fascista da burguesia, a ditadura militar de 1964. Fiquei expectando as encruzilhadas da política senador! Confesso: parecia algo sem eira e nem beira a adesão do PL a uma proposta de governo nacional, popular e democrático. Enxerguei que nem tanto, já que, “no fundo no fundo”, o chamado “projeto do PT” (nacional, popular e democrático) consiste em reformas cabíveis nos marcos capitalistas, pois o “modo petista de governar” nada mais é que execução de políticas de redução de danos da crise do capital. Que seja. Sem ilusões.

Nos basta, nas eleições 2002, que vença a perspectiva de um Estado de bem-estar social. Tolerância zero com o continuísmo de “migalhas ao povo”. Lula não é exatamente TUDO o que o povo sonha e precisa, porém é o que mais se aproxima: a mais completa tradução das necessidades de um país que deve romper com os grilhões da indignidade. Como o Planalto vê uma aliança PT-PCdoB-PL? Como o “caminho da perdição”. Jogaram duro para inviabilizar, ao estilo “veneno para matar Roseana”. Ponderei. Para que serve a radicalidade feminista se não se abre ao novo e ao inusitado? “Nada como um dia depois do outro e uma noite no meio”. Nós e nossas circunstâncias.

A arte da política consiste em entender as circunstâncias e saber fazer alianças. Por que o senador cabe como convidado de um projeto de governo popular e democrático? Porque, como é de domínio público, é um homem de bem. Grande credencial! Ser “pessoa de bem” na política do Brasil de hoje é um atributo valioso e raro. Exige-se dele solidariedade e respeito. Não é o mesmo que pensar igual. Senador, seja bem-vindo à cena da luta contra todas as formas de dominação! Não será fácil. Provará do sal da terra: a dureza e a ternura da luta popular, democrática e feminista.

Fonte: O Tempo

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