Entidades como Oxfam saem do país, que deixou de ser prioridade para doadores. Recursos encolheram à metade em 2010. Crise europeia e valorização do real agravam situação
Por: Clarice Spitz e Letícia Lins
RIO e PALMARES (PE). O crescimento “chinês” da economia e a melhora do mercado de trabalho brasileiro têm criado uma situação paradoxal para as mais de 300 mil ONGs que atuam no Brasil. O cenário não fé dos melhores.
Após décadas de dedicação ao combate à pobreza, muitas estão correndo o risco de fechar as portas. Um dos líderes das nações emergentes, o Brasil está deixando de ser visto como prioridade por grande parte de agências de financiamento internacional, que sempre foram a principal fonte de recursos para as organizações.
Muitas como a britânica Department for Internacional Development se reuniram com diversas entidades para avisar: as Américas saíram do rol de paísesalvo. Vítimas da crise europeia, as agências preferem agora mirar em países de África, Sudeste da Ásia e Leste da Europa, em pior situação. A holandesa Oxfam Novib é outra que vai deixar o Brasil em 2011. Com menos C 30 milhões em caixa, a entidade ligada a direitos humanos e educação sairá dos 11 países em que atua na América Latina para concentrar esforços em nações mais vulneráveis.
A tendência de redução recursos de fora vem da última década, mas agora ganhou dizem as ONGs. A estimativa é que ao menos mais estrangeiras também deixem país até 2015. Pesquisa da ONG Instituto Fonte mostra que, entre 2009 e 2010, o valor médio recursos aportados no Brasil agências estrangeiras encolheu praticamente à metade.
— Vários países da América Latina ainda têm dados de e exclusão fortes, mas, quando comparados a outros, estão em melhor condição. Brasil está em melhor estado que muitos, e houve muito progresso no país nos últimos anos — considera Ruud Huurman, gerente de Relações com a Mídia da Oxfam Novib.
Demissões, salários atrasados e fim de projetos O sucesso do Brasil e a valorização do real formam uma combinação explosiva para as ONGs no país. Como grande parte de seu financiamento vem do exterior, uma mesma quantidade de recursos em dólar, agora, com a moeda brasileira valorizada, representa menos dinheiro em reais. Com isso, as ONGs estão sendo obrigadas a demitir, atrasar salários, enxugar custos e cortar projetos.
A mudança de rota dos recursos internacionais já chegou ao interior de Pernambuco. No engenho Serro Azul, em Palmares, a 125 quilômetros de Recife, Sebastiana Maria dos Santos, de 58 anos, e outras 50 lavradoras tentam reerguer a horta de produtos orgânicos que foi levada pelas enchentes de junho.
Antes, com a ajuda financeira e orientação de ONG apoiada pela Federação de Órgãos para Assistência Social e Educação (Fase), Sebastiana, que sobrevive com renda inferior a meio salário mínimo mensal, cultivava horta orgânica numa região marcada pela desigualdade de renda e onde a monocultura açucareira é dominante.
A ajuda agora foi suspensa. A Fase, que sofre, sobretudo, com o real forte, já teve de cortar 20% do pessoal no país e hoje dispõe de uma receita um quinto menor.
Para as mulheres, retomar a hortinha tem sido difícil. Elas só conseguiram juntar R$ 200 até o momento e, segundo Sebastiana, as lavradoras terão de viajar às cidades de Vitória de Santo Antão ou Caruaru para conseguir grãos a um preço melhor.
mdash; Hoje a gente é como peixe fora d’água. Antes tínhamos insumos, capacitação, troca de experiências.
Sem ela (a Fase), a gente ficou mesmo foi desprotegido — diz Sebastiana.
A lavradora Margarida Maria dos Santos, de 54 anos, pensa em vender dois terrenos para investir no seu pequeno sítio, onde cria carneiros, galinhas, planta frutas e tem dois criadouros de tilápia. Margarida e o marido, José Marques, de 79, reclamam da falta da ONG que orientava os lavradores.
— A gente ficou órfão — diz Margarida que, como Sebastiana, fugiu da seca do agreste para trabalhar na cana.
No Rio, o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), que já teve 95% do orçamento vindo do exterior no início da década de 90, verá esse percentual cair para 10% no ano que vem, com a retirada de agências de cooperação.
— Para quem depende de negócios do exterior, a valorização do real nos afeta tanto quanto a exportadores. Isso significa ter que renovar totalmente ou acabar — desabafa o diretorgeral do Ibase, Cândido Grzybowski, que fala na necessidade de refundação do instituto criado na década de 80 por Herbert de Souza, o Betinho.
Fonte: O Globo, 17/10/2010