Lançado ontem (23) à noite, o Observatório de Violência Racial (Ovir) pretende mapear sobretudo ações praticadas por agentes de Estado. A iniciativa é do Centro de Antropologia e Arqueologia Forense, da Universidade Federal de São Paulo (Caaf-Unifesp). E tem como base a concepção de genocídio desenvolvida pelo ator, professor, político e ativista Abdias do Nascimento.
No lançamento, o professor Carlos Lírio, vice-coordenador do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros (Neab) da Unifesp, vê a leitura de duas definições apresentadas por Abdias. Em uma delas, o genocídio se configura como a “recusa do direito de existência a grupos humanos inteiros, pelo extermínio de seus indivíduos, desintegração de suas instituições políticas, sociais, culturais, linguísticas e de seus sentimentos nacionais e religiosos”.
Momento político
Ele enfatizou a importância do lançamento do observatório neste momento político e institucional. “Sabemos de toda a violência envolvida e realizada nos últimos quatros anos. Sabemos e vemos o que tem acontecido em várias áreas, e o Ovir é muito emblemático”, afirmou.
O também professor Jaime Alves, da Universidade da Califórnia, citou Martin Luther King para falar da importância da medida, lembrando da chamada Marcha sobre Washington em 1953. “Ele terminava falando: nunca se pode estar atrasado na História. Existe um chamado imperativo, a urgência fatal de agora. É preciso se produzir mais conhecimento sobre o terror policial no Brasil”, afirmou.
Democracia e exceção
Assim, para ele, existe no Brasil e no mundo uma “tendência perigosíssima” do que ele considera tentativas de “humanizar” a polícia, que representa o Estado e se caracteriza pela violência. Assim, segundo o professor, haveria uma falsa dicotomia entre o regime de exceção e a normalidade democrática, porque a violência institucional manteve-se presente mesmo após a ditadura.
“Com a volta da normalidade democrática, se abriram as portas do inferno. (Existe uma) prática ainda mais sistemática e estratosférica de desaparecimentos, assassinatos e tortura principalmente de jovens negros das favelas. Como fazer diferenciação entre normalidade democrática e Estado de exceção?”, questionou.
Alves lembrou que o fenômeno acaba atingindo inclusive não negros. Como exemplo, ele citou a morte de jovens na favela de Paraisópolis, em São Paulo, em 2019. “É que a favela é vista como uma geografia negra. Como geografia negra, está (o poder policial) autorizado a matar. É a colônia que abre espaço para o impensável, que se expande a cada momento. Uma coisa não muda: a centralidade da experiência negra informa as práticas terroristas de Estado, para as pessoas negras e para todas as outras.”
Confira aqui a “edição zero” do Observatório de Violência Racial