Com novas regras eleitorais, eleger pessoas negras será ainda mais difícil

FONTEECOA, por Anielle Franco
Anielle Franco (Foto: Bléia Campos)

Desde julho, nós do Instituto Marielle Franco e da Coalizão Negra por Direitos nos voltamos para uma importante mobilização da campanha #ReformaRacistaNão, denunciando os passos de deputados e senadores que tentavam aprovar a todo custo uma Reforma Eleitoral, ou seja, mudanças importantes na legislação eleitoral, sem que o devido diálogo com a população brasileira.

Nesse período, estivemos em Brasília promovendo um grande ato para barrar o Distritão, a tentativa de retorno do voto impresso, e outras mudanças como a proposta de novo Código Eleitoral, que afetaria diretamente as regras de transparência partidária e a possibilidade de monitorarmos os gastos de partidos políticos. Nós também discutimos com deputados e senadores uma proposta de Emenda que atendesse às urgências da população negra, que apesar de não ter avançado, foi importante para pautarmos a urgência do debate de negras e negros em espaços de poder.

Ato da Coalizão Negra por Direitos e do Instituto Marielle Franco contra Reforma Eleitoral realizado no Salão Verde da Câmara dos Deputados em Brasília em agosto de 2021Imagem: Coalizão Negra por Direitos

Agora, o que de fato mudou e que nós, pessoas negras e mulheres, devemos ficar atentas na próxima eleição? Bom, primeiro de tudo, os votos dados a negros e mulheres valerão em dobro para fins de distribuição do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral. A Emenda Constitucional 111/2021 determina que entre 2022 a 2030 os votos dados a mandatos conquistados por negros e mulheres sejam contados em dobro para fins de distribuição entre os partidos políticos, dos recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas, o Fundo Eleitoral. Ou seja, o partido que a partir de 2022 conseguir eleger mais negros e mais mulheres, vai receber uma fatia maior de financiamento público no futuro.

Trata-se de uma política de incentivo para que os partidos políticos busquem mais pessoas negras e mulheres para concorrem nas eleições. Ao mesmo tempo, pode significar uma concentração de recursos nas mãos de alguns candidatos negros e mulheres que os partidos, por critérios próprios, considerarem mais competitivos (ou seja, quem tem mais chance de vencer a disputa eleitoral). Isso nós já vimos acontecer em campanhas anteriores, como foi o caso do próprio Douglas Belchior, que concorreu a deputado federal pelo PSOL em 2018 e denunciou recentemente práticas racistas e de boicote no interior do partido.

Além disso, a medida aprovada não leva em conta a interseccionalidade de raça e gênero, uma vez que contabiliza o “peso 2” apenas uma vez, e também não irá representar mais dinheiro para candidaturas negras já no próximo ano, por exemplo. Para isso, nas próximas eleições, temos um importante desafio de fiscalizar a distribuição dos recursos entre as candidaturas negras e cobrar o cumprimento da determinação do TSE de 2020, que prevê a distribuição proporcional do Fundo Eleitoral e tempo de TV e rádio para candidaturas negras, coisa que a maioria dos partidos não cumpriu em 2020.

Outro ponto de atenção será a violência política. Agora, temos uma lei nacional sobre o tema. A Lei Nº 14.192/2021, aprovada no início de agosto, estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher, e também será um marco para nos atermos durante o próximo período eleitoral. A lei define a violência política contra a mulher como “toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos da mulher”, o que vai de encontro ao que nós denunciamos, uma vez que sabemos que a violência política de gênero e raça ocorre com o intuito de minar mulheres de espaços de poder.

O texto estabelece que “serão garantidos os direitos de participação política da mulher, vedadas a discriminação e a desigualdade de tratamento em virtude de sexo ou de raça no acesso às instâncias de representação política”, dando conta a dimensão racial presente na violência política contra mulheres negras. A lei também reconhece violência política contra as mulheres como um crime, e estabelece multa ou pena de reclusão para aqueles que o cometerem.

Em que pese esses importantes avanços, a legislação aprovada tem alguns pontos de atenção, uma vez que por exemplo, opta por utilizar “sexo” para designar gênero, o que acaba por excluir mulheres transsexuais e travestis dessa legislação, algo que, em nossa visão, vai na contramão dos avanços de candidaturas de pessoas trans que vimos no Brasil nas eleições de 2020 e a escalada de violência contra esses corpos.

O caminho para que a população negra esteja representada e concorrendo com condições justas ainda é grande. Em 2022 teremos um enorme desafio de barrar a reeleição de Bolsonaro (e todos os outros candidatos alinhados a sua política genocida) e eleger mais de nós, pessoas negras, periféricas e LGBTQIA+ comprometidas com políticas progressistas em todo o país. O desafio será gigante, mas juntas e juntos conseguiremos!

*Essa coluna foi escrita em conjunto com Douglas Belchior, historiador e coordenador da Uneafro Brasil e da Coalizão Negra por Direitos.

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