Como a capoeira ajuda meninos de rua em Kinshasa

Na capital da República Popular do Congo, meninos e meninas de rua aprendem a ter disciplina e responsabilidade nas aulas de capoeira

A capital da República Democrática do Congo, com seus 12 milhões de habitantes, é a segunda cidade do mundo, logo atrás do Rio de Janeiro, em número de crianças abandonadas. As estimativas variam de uma fonte à outra, mas a ONG francesa Médecins du Monde (Médicos do Mundo, MDM) estima que são cerca de 20 mil meninos e meninas nas ruas de Kinshasa. Algumas largaram as famílias, outras foram abandonadas.

Estas crianças são chamadas de shégués (crianças de rua em lingala), um nome que é sinônimo de “ladrão”, já que vivem essencialmente de roubos e furtos. Elas recusam a ajuda de dezenas de entidades e acabam muitas vezes caindo na prostituição, na desnutrição e na violência. Algumas, porém, deram sentido às suas vidas graças à disciplina e a energia da capoeira.

As crianças praticam na rua com Yannick N’Salambo, um técnico em computação congolês de cerca de 30 anos de idade que se apaixonou por esta luta misturada com dança ensinada por um viajante brasileiro. Ele vai ao bairro Limete três vezes por semana e encontra um lugar no meio dos comerciantes de carvão e de legumes, dos engraxates e dos vendedores de crédito para celular.

Munidos de um berimbau e de um reco-reco, Yannick e seus assistentes começam o aquecimento. Em seguida, dois de cada vez, eles começam a jogar capoeira. Fortes e atléticos, eles exibem seus movimentos plásticos. Às vezes, um dos participantes acaba entrando no ritmo do adversário e atingindo-o. Malembe! (cuidado!), avisa o mestre, que toma seu lugar e mostra como se deve agir sem machucar o companheiro.

Em volta, cerca de dez crianças, entre 5 a 13 anos, assistem com atenção. Descalços, vestindo camisetas e calças largas, os dois param após alguns minutos, sendo imediatamente substituídos por outros dois parceiros que tentam mostrar que aprenderam como se faz.

A aula dura duas horas e termina com a lembrança do que se espera dos jovens alunos: seguir as obrigações escolares, ter um comportamento digno, respeitar as funções de cada um perante o grupo e ser pontual. “Eu vi uma grande evolução”, diz Yannick. “Eu tinha crianças que não obedeciam, eram agressivas, mal-educadas. A capoeira reestruturou seus lados psicológicos”.

A capoeira ensina os jovens de rua o que nem a escola, nem a família conseguiu ensinar. Um dos assistentes, Ninja, de 30 anos, saiu das ruas graças à esta prática. Fechado, tímido, ele viveu sem lar por 20 anos. “A capoeira permitiu a ele se expressar”, explica Yannick, que ganha um pouco de dinheiro dando aulas aos estrangeiros.

“É um esporte que nos ensina a amizade”, diz Jérémie Tchibenda, de 14 anos. Francis, de 9 anos, “se sente bem” quando pratica capoeira. Nem todos vem da rua, alguns têm família e moram por perto. Alex Karibu, de 25 anos, tinha quinze anos e já era órfão quando começou.
O jovem embaixador do Brasil no país, Paulo Uchoa, se sente orgulhoso de ver esta atividade brasileira encontrando público no Congo e ajudando estas crianças. “Vou fazer de tudo para ajudar”, garantiu o diplomata, lembrando que o Brasil e a África vêm se aproximando. Em 10 anos, as trocas comerciais do Brasil com o continente africano saltaram de 5 para 26 bilhões de dólares, e o número de embaixadas brasileiras em solo africano subiu de 15 para 38.

É praticamente uma volta para casa, já que a capoeira, mesmo tendo sido criada no Brasil, tem as raízes na África. Metade dança, metade luta, a capoeira se desenvolveu no século XIX na clandestinidade, em meio às populações escravas vindas da África. Como eram proibidos de lutar, os escravos escondiam sua luta com a dança.

Capoeira-no-Brasil

Capoeira no Brasil
A capoeira passou séculos na clandestinidade, até que em 1932 quando a prática ainda era ilegal mas a perseguição não era acentuada, mestre Bimba fundou em Salvador a primeira academia de capoeira do mundo. O processo de acabar com a marginalização só começou em 1940, quando a proibição foi retirada do código penal brasileiro. Passados mais de 70 anos, hoje a capoeira é considerada um Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, e estima-se que há sete milhões de praticantes no país.

ONG oferece capoeira para crianças refugiadas palestinas

 

Fonte: BrazilAfrica

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