Como agressões sexuais em público são punidas no mundo

Caso de abuso em ônibus gerou indignação e questionamentos sobre a legislação no Brasil. Uma série de países não tem leis para punir tal delito

Por Deutsche Welle Do Carta Capital

Dois ataques sexuais perpetrados pelo mesmo agressor em ônibus em São Paulo, num intervalo de poucos dias, acenderam o debate no Brasil sobre como se configura a legislação para punir crimes sexuais e coibir a reincidência de abusos contra mulheres.

Menos de 24 horas depois de ser detido em flagrante após ter ejaculado no pescoço de uma passageira no transporte público, no final de agosto, Diego Ferreira de Novais foi liberado pelo juiz José Eugênio do Amaral Souza Neto.

O magistrado disse entender o abuso como “importunação ofensiva ao pudor” – o que, segundo o termo da audiência que decidiu pela libertação do agressor, configura “apenas contravenção penal”.

Dias depois, Novais, de 27 anos, encostou o pênis ereto em outra vítima e a segurou contra a vontade dela, voltando a ser detido. Alegando problemas mentais, ele soma 17 passagens pela polícia por motivos semelhantes nos últimos anos.

A lei que embasou a decisão do juiz responsável data de 1941 e prevê apenas multa para a “importunação ofensiva ao pudor” – delito punido com multa entre 200 mil réis e dois contos de réis, segundo o texto que não foi atualizado desde a origem da lei.

O juiz entendeu que a agressão cometida por Novais “melhor se amolda à contravenção penal do art. 61”, da lei de 1941, “do que ao crime de estupro (art. 213)”, cujas especificações foram revistas em 2009 e que só preveem punição caso alguém seja forçado a ter relações sexuais ou “praticar ato libidinoso” mediante violência ou grave ameaça.

A dificuldade que os penalistas brasileiros encontram é de enquadrar o tipo de agressão feita por Novais – numa pena considerada demasiado severa, como a por crime de estupro, ou muito branda, como a de contravenção penal, que exige apenas pagamento de multa.

Além da falta de textos atuais adequados a situações específicas de mulheres vítimas de violência, a controvérsia no Brasil também gira em torno dos conceitos de violência, de agressão e de abusos contra as mulheres – ou seja, como elas são vistas e, consequentemente, tratadas tanto de acordo com o direito penal quanto seguindo o chamado senso comum.

Essa polêmica recorrente, no entanto, não é exclusividade do Direito brasileiro. Após anos de pressão por grupos de defesa dos direitos das mulheres, a Alemanha, por exemplo, aprovou uma nova lei sobre delitos sexuais no ano passado – até 1997, a definição de estupro valia apenas para a penetração vaginal da mulher fora do casamento.

Confira como são punidas as agressões sexuais em público em alguns países do mundo:

Alemanha
Em julho de 2016, o Bundestag (Parlamento alemão) aprovou a mais nova lei sobre delitos sexuais no país. A reforma, cuja entrada em vigor foi acelerada após as agressões sexuais ocorridas na noite de Ano Novo de 2015/2016 em Colônia, tem como ponto central a definição em lei da máxima “não é não”, que passa a definir que um crime sexual não ocorre apenas quando há emprego de violência, mas quando o agressor age contra a vontade da vítima.

Outro parágrafo determina as punições em caso de assédio sexual, apesar de não haver uma menção específica à masturbação ou ejaculação em outra pessoa em locais públicos. “Será punido com pena de até dois anos de reclusão ou com multa aquele que tocar numa outra pessoa de maneira sexualizada, molestando essa pessoa […]”.

Na Alemanha, atos que ferem a esfera privada e o direito de autodeterminação de outra pessoa são considerados delitos de distúrbio da ordem pública.

Também em julho deste ano, a Alemanha ratificou a chamada Convenção de Istambul, um acordo internacional de proteção das mulheres contra a violência. A declaração, decidida em 2011 pelo Conselho da Europa, define a violência contra a mulher como violação dos direitos humanos.

A Alemanha foi criticada pelo protelamento da ratificação da Convenção de Istambul. A discussão sobre o tema também só passou para a agenda pública a partir das agressões do Ano Novo de 2015/2016.

Antes disso, especialistas não entravam em acordo sobre o fato de a nova lei sobre agressões sexuais na Alemanha cobrir ou não os temas abordados na convenção, que define medidas políticas e jurídicas com as quais os países do continente deverão criar um quadro unitário para a prevenção, a proteção de vítimas e ações penais contra os agressores.

Estados Unidos
Na maior parte do país, a intenção de chocar, excitar ou ofender outras pessoas – conhecida como conduta obscena – é proibida e passível de multa ou prisão.

No estado de Dakota do Norte, por exemplo, a agressão sexual inclui a ejaculação em público. “Se alguém tocar em você de forma sexualizada num local público, como a rua, o ponto de ônibus ou um bar, ou ejacular em você, você pode denunciá-lo/a”, afirma relatório da organização Stop Street Harassment (Parem o Assédio Sexual, em tradução livre).

A mesma organização também diz que, em Minnesota, “fazer alguém entrar em contato com sêmen” de forma não consensual é ilegal. “Se um assediador na rua tocá-la/o ou agarrá-la/o entre suas pernas, agarrar seu bumbum, a parte interior das suas coxas, seus seios, ou debaixo de suas roupas, se se esfregar contra você ou fizer você tocá-lo/a sexualmente, ou ejacular em você, você pode denunciá-lo/a”, diz o texto, que afirma que a pena para a “conduta criminal sexual em 5º grau é punível com uma multa de até 3 mil dólares e/ou um ano de prisão”.

Índia
O país discutiu e aprovou a Lei Criminal (Emenda) em 2013, poucos meses depois de um caso de estupro coletivo que ficou mundialmente conhecido. A reforma incluiu modificações em textos como o Código Penal da Índia, que passou a incorporar a punição a ataques com ácido, assédio sexual, voyeurismo e perseguição.

Antes, o Código Penal Indiano definia estupro como “interação sexual entre homem e mulher sem consentimento da mulher”, também refletindo estereótipos sobre a sexualidade feminina, a violação e as sobreviventes de crimes sexuais.

Após 2013, um comitê especial sugeriu que a lei do estupro ampliasse a definição de violação baseada no preceito de que toda mulher tem direito à integridade de seu corpo e autonomia sexual, que implica a escolha sobre se e com quem a mulher quer ter relações sexuais.

O texto da nova lei não fala especificamente de ejaculação em outra pessoa contra a vontade dela em locais públicos, mas define “qualquer outra conduta física, verbal ou não verbal de natureza sexual” como assédio sexual, que pode ser punido por multa ou prisão de até um ano, ou as duas coisas.

Itália
Na Itália, se não for praticada diante de crianças ou menores de idade, a masturbação em público não é crime, segundo definiu a Suprema Corte do país no ano passado. E a descriminalização vale também para atos praticados com clara intenção de exibicionismo em público.
A instância jurídica mais alta da Itália julgou o caso de um homem de 69 anos que foi pego se masturbando em Catânia. Ele foi condenado a uma multa.

Suécia
Em 2013, uma corte na Suécia determinou que a masturbação em público não é crime – contanto que a ação não se dirija a ninguém de forma específica. O veredicto foi pronunciado depois que um homem de 65 anos tirou a roupa nas margens de um lago em Estocolmo e começou a se masturbar, tendo sido preso, primeiro, por assédio sexual.

A sentença causou críticas principalmente de organizações de defesa dos direitos infantis, que temem um abrandamento da masturbação em público – que poderia ser observada por crianças.

Indonésia
Durante a pesquisa por leis e punições de masturbação em público ao redor do mundo, um país que aparece de forma recorrente nas ferramentas da internet é a Indonésia. Vários sites afirmam que a pena para masturbação em público no país é a decapitação. Porém, segundo pesquisa do diário britânico The Guardian junto a autoridades indonésias, a pena máxima para esse tipo de delito é de três anos de prisão.

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