Como o Estado Islâmico atrai mulheres ocidentais

No mês passado duas mulheres foram indiciadas em Nova York acusadas de conspirar para usar uma “arma de destruição em massa”.

Por Katherine Brown, do BBC

Elas alegaram ser “cidadãs do (autoproclamado) Estado Islâmico”, apesar de nunca terem viajado para a região controlada pelo grupo extremista islâmico.

As razões alegadas por elas para não terem imigrado: eram velhas demais e uma já era casada.

Essas preocupações com idade e estado civil não surpreendem.

Fóruns de discussão na internet também indicam que a maioria das mulheres que viajam para se juntar ao ‘Estado Islâmico’ esperam se casar logo que chegam à Síria.

O casamento com um combatente gera uma identidade forte, um senso de pertencimento a uma comunidade.

Escolha falsa

A maioria das análises apresenta essas mulheres como se elas rejeitassem o liberalismo ocidental – e presumem que elas têm a mesma capacidade de acesso a esse liberalismo que as mulheres europeias, o que dá uma ideia do quão pouco as pessoas em geral sabem sobre as dificuldades pelas quais elas passam.

Elas são submetidas a uma escolha falsa: ou ficam com os direitos e o feminismo ou com a tradição e a fé.

Querer os dois é visto tanto em suas comunidades como pela opinião pública como irracional.

O Estado Islâmico capitaliza esse fato questionando constantemente o status das mulheres no Ocidente, sublinhando a batalha pela imagem do corpo, a dupla jornada de emprego e trabalho doméstico, a cultura do estupro, pornografia, racismo e assim por diante.

Isso não equivale a dizer que o Estado Islâmico é feminista; para eles as mulheres não são iguais aos homens e eles rejeitam o potencial do feminismo liberal do Ocidente.

Desejos pessoais de jovens muçulmanas se misturam com ideias de um propósito maior
Desejos pessoais de jovens muçulmanas se misturam com ideias de um propósito maior

As mulheres no Estado Islâmico têm pouca liberdade para viajar, trabalhar ou ter cargos públicos.

De acordo com um manifesto traduzido pelo centro de estudos Quilliam Foundation, as mulheres apenas recebem permissão para abandonar o trabalho doméstico e lutar “se o inimigo estiver atacando seu país e os homens não são suficientes para protegê-lo”.

As mulheres neste momento sabem que esse momento não chegou, o que mostra que a mensagem do ‘Estado Islâmico’ apela tanto para a esfera pessoal-privada das mulheres quanto a seu lado público-político.

Esses relatos sobre “noivas jihadistas” pintam um quadro de romantismo e esperança.

No Estado Islâmico, o casamento é apresentado como algo bem maior do que a mera união privada entre duas pessoas.

Desejos pessoais são combinados com ideias de um propósito maior.

Bint Nur, a mulher de um combatente islâmico originário da Grã-Bretanha escreveu no site Ask.fm em 2014: “as mulheres constróem os homens e os homens constróem a Umma (comunidade)”.

Profecia

Suas escolhas pessoas – tarefas domésticas, crianças, casamento – estão relacionadas à construção de um novo Estado.

Segundo o site de notícias Vocativ, 45% da propaganda do Estado Islâmico se concentra em tarefas ligadas à consolidação de seu califado.

Além de retratar construções de vias e infraestrutura local, a propaganda se foca em trabalho de caridade, polícia de trânsito, sistemas judiciários, hospitais e projetos de agricultura.

Para mulheres que viajam à Síria e ao Iraque, os motivos pessoais têm um propósito mais amplo – seu dever é se tornar “mães fundadoras” desse novo Estado.

Do outro lado, a mensagem do Estado Islâmico reforça as conotação negativa que acompanha jovens muçulmanas que vivem na Europa: constantemente vistas como ‘ameaça’, em risco, segregadas e, na melhor das hipóteses, com um futuro limitado.

Desafiar o Estado Islâmico vai requerer mais do que conter o discurso religioso, criar novas leis e dar poderes à polícia e aos serviços de segurança. Um programa para impedir a radicalização requer dialogar com as jovens muçulmanas sem que elas tenham a impressão de que são vistas como um problema de segurança.

Muitas jovens muçulmanas são silenciadas pela atual atmosfera política porque elas temem serem espionadas ou tratadas como radicais apenas por fazer perguntas – o que apenas as direciona para os extremistas.

Ao contrário, o que é preciso é entender seus medos e aspirações, superar a islamofobia, discriminação e desvantagens materiais.

A conferência Filhas de Eva, realizada pelo Conselho de Mulheres Muçulmanas é um exemplo dessa abordagem.

Nós temos que deixá-las fazer perguntas difíceis não apenas sobre o Estado Islâmico, mas sobre a Grã-Bretanha.

Katherine Brown trabalha como professora no Departamento de Estudos de Defesa na Universidade King’s College. Em suas pesquisas ela estudou o papel das mulheres no terrorismo, contraterrorismo, na violência política. Ela também investigou o ativismo radical de mulheres muçulmanas.

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