Conciliações no STF fragilizam luta por justiça climática

Emergência impõe mudança de comportamento, tanto do poder público quanto do setor privado

A Justiça Federal do Amazonas proferiu na última semana duas importantes decisões no contexto de emergência climática em que estamos vivendo. Na primeira delas, um fazendeiro foi condenado pela derrubada ilegal e queima de mais de 5.600 hectares de floresta amazônica.

No segundo caso, a Justiça Federal suspendeu liminarmente a licença prévia concedida durante o governo Jair Bolsonaro (PL) para asfaltamento da BR-319, que liga Manaus a Porto Velho, por não ter levado em consideração dados técnicos sobre o impacto ambiental da obra sobre um território amazônico da dimensão do estado de São Paulo.

Asfaltamento da Rodovia BR-319 está suspenso por não ter levado em consideração dados técnicos sobre o impacto ambiental – Ueslei Marcelino -25.jul.2024/Reuters

Nesse quadro de litígio climático, também deve se destacar decisão do Tribunal de Justiça de Rondônia, que suspendeu a extinção de 11 Unidades de Conservação, autorizada pela Assembleia Legislativa daquele estado, sob pressão dos latifundiários.

De acordo com o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o aquecimento de 1,1°C, induzido por atividades humanas, vem desencadeando transformações dramáticas no clima de todo o planeta. No último domingo, 21 de julho, o planeta viveu o dia mais quente registrado na história, conforme dados do observatório climático europeu Copernicus.

Fenômenos climáticos extremos, como as inundações no Rio Grande do Sul, que deixou centenas de milhares de pessoas desabrigadas, têm se tornado cada vez mais recorrentes, com forte impacto sobre a população, especialmente sobre aquelas que vivem em áreas mais vulneráveis e dispõem de menos recursos para se adaptar aos efeitos do aquecimento global.

Nesse sentido, não estamos vivendo mais um período de mudança, transição ou risco climático, mas de emergência climática. Isso impõe uma profunda mudança de comportamento, tanto do poder público quanto do setor privado, se quisermos evitar ou mitigar mais e maiores desastres.

A responsabilidade pela geração de gases de efeito estufa, que promovem o aquecimento global, recai predominantemente sobre os países do Hemisfério Norte e sobre a China, que empregaram e ainda empregam intensamente combustíveis fósseis na base de seu processo produtivo.

A parte que cabe ao Brasil no agravamento da emergência climática está associada ao desmatamento. A derrubada da floresta não apenas suprime a vegetação que remove carbono da atmosfera, como também promove a emissão bruta de gás carbônico decorrente das queimadas. O desmatamento altera ainda o regime de chuvas e a umidade do ar, com forte impacto sobre a agricultura e a vida nos grandes centros urbanos.

Daí a importância das referidas decisões judiciais, neste momento. Além de punir aqueles que ilegalmente derrubam as florestas, dissuadindo o comportamento predatório, também visam barrar iniciativas públicas que flexibilizam a legislação ambiental, legalizam atividades de desflorestamento ou retiram a proteção de áreas ambientais ou terras indígenas, que constituem os principais mecanismos de preservação das florestas no Brasil.

Na contramão desse movimento por justiça climática, temos testemunhado preocupantes iniciativas no âmbito do STF, ao promover processos de conciliação de conflitos fundiários envolvendo terras indígenas.

Essas iniciativas apontam para o risco de flexibilização de “direitos originários”, “inalienáveis”, “indisponíveis” e “imprescritíveis” dos povos indígenas sobre suas terras (artigo 231 CF), o que é constitucionalmente inaceitável; estão sendo usadas como pretexto para novas invasões de terras indígenas; e, por fim, ampliam as ameaças ao nosso patrimônio ambiental. Daí porque, em tempos de emergência climática, essas conciliações deveriam ser suspensas.

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