Concurso anulado pela USP contra Érica Bispo diz respeito à instituição, não ao Brasil

23/10/25
Folha de São paulo, por Tom Farias
  • Recurso de candidatos brancos, acatado pela universidade, foi indeferido pelo Ministério Público de São Paulo
  • Órgão lava as mãos e deixa implícito que compactua com grupo perdedor, inabilitado e, pelo visto, ressentido

Ainda repercute o caso da professora Érica Cristina Bispo, jubilada do concurso para docente da USP (Universidade de São Paulo), quando deveria assumir a vaga na área de literaturas africanas de língua portuguesa, ligada à FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas) da instituição.

Como é possível presumir, Érica Bispo era a única candidata negra que se submeteu ao concurso, entre os nove concorrentes que compareceram, para o qual passou em primeiro lugar. Do total de 15 inscritos, 3 outros se declararam pretos, pardos ou indígenas, atendendo o pré-requisito da cota racial, mas desistiram antes de prestar os exames de provas e títulos.

No transcurso do processo seletivo, iniciado no mês de junho do ano passado, coube à professora Érica Bispo obter a nota máxima e aprovação, tendo inclusive começado os trâmites de sua contratação, homologados pela FFLCH, com a anuência do reitor Carlos Gilberto Carlotti Júnior, que a nomeou através de portaria, cuja posse se daria após a realização de exames médicos, que atestaram seu perfeito estado de saúde.

Entre a aprovação no concurso e nomeação pelo reitor, veio a contestação e cancelamento, a partir de recurso impetrado por candidatos perdedores junto ao Conselho Universitário, que acatou a alegação de “improbidade e prevaricação”, negada pelo Ministério Público de São Paulo, que arquivou o caso.

Em nota, a FFLCH disse que o “processo de contratação da Érica foi iniciado, mas outros candidatos fizeram recurso ao Conselho Universitário, que decidiu pela anulação”. A nota esqueceu de mencionar que os “outros candidatos” eram brancos e que, por princípio moral, jamais deveriam postular vaga para cadeira de “literaturas africanas”, disciplina que trata da produção afro-brasileira e África.

O comunicado de órgão da estatura da FFLCH, além de ser primário, não condiz com departamento que examina e realiza concursos de igual mérito e teor. A candidata é tratada como “Érica”, mas se trata da primeira colocada no concurso, experimentada profissional, doutora e pós-doutora, professora do IFRJ (Instituto Federal do Rio de Janeiro), onde também foi aprovada com louvor.

Ao se declarar incapaz de reverter a “decisão do Conselho Universitário” e ao sugerir que a candidata jubilada recorra à Justiça, o órgão lava as mãos e deixa implícito que compactua com grupo perdedor, inabilitado e, pelo visto, ressentido, que chegou a questionar, por exemplo, “o volume de produção científica da candidata”.

Tudo isso diz mais respeito à USPúltima instituição a aprovar cotas raciais para graduação no Brasil, do que à sociedade brasileira, que tem empreendido esforços no implemento de ações afirmativas no país.

O caso rumoroso vem sendo tratado na imprensa e mídias sociais com grande repercussão e repúdio. As alegações do grupo questionador é que a candidata vitoriosa foi favorecida por “amizade íntima” com integrantes da banca avaliadora, já que foi vista em fotos na companhia de alguns deles em eventos públicos acadêmicos.

O nível de acusação do grupo —todos, de certa forma, “íntimos” da USP—, é rasteiro e deixa subentendido certo rancor racial pela perda da vaga para uma candidata negra.

Faz-se necessário que, acima da congregação uspiana, haja senso de justiça.

Compartilhar