Especialista afirma que esse tipo de questionamento desde a infância é importante para a construção de uma sociedade igualitária
Por Giulia Costa, do O Globo
De divisão igual de tarefas a diversidade de gênero, as quebras de estereótipo estão cada vez mais sendo tratadas com naturalidade nos desenhos animados para crianças. Mas se engana quem pensa que isso é um modismo das animações mais recentes. Há anos essas questões vêm sendo suavemente introduzidas para tornar crianças e adolescentes mais conscientes sobre a realidade.
Para a pesquisadora de comunicação e feminismo e professora do IBMR, Beatriz Beraldo, é importante que os estereótipos de gênero sejam questionados desde a infância, para assim construir uma sociedade mais justa e igualitária.
— Não se muda comportamentos sociais de uma hora para a outra. Meninas e meninos precisam se enxergar como iguais nas brincadeiras, nos desenhos, nas responsabilidades e atitudes para que um dia possamos ter homens e mulheres que se enxergam como iguais no mercado de trabalho e nos direitos civis — diz Beraldo, e enfatiza que é importante que os produtos midiáticos abordem a diversidade para auxiliar no combate aos preconceitos.
Princesa Caroço, de ‘Hora de aventura’
A personagem da séria “Hora de Aventura”, a Princesa Caroço, é exatamente o oposto daquilo que as mulheres são ensinadas a ser. Ela tem personalidade marcante, fala o que pensa e é totalmente segura de si. Apesar de ser uma nuvem lilás aparentemente inofensiva, a personagem é dublada por um homem e seu jeito incisivo não agrada a muitos fãs da série. Seu jeito determinado às vezes é confundido com rudez e egoísmo, mas Caroço não faz nenhuma questão de seguir os estereótipos de feminilidade. Diferentemente de outras personagens da série, como Jujuba e Marceline, ela tem voz grave e um corpo fora do padrão. Ainda assim, a princesa curvilínea e cheia de caroços exala autoestima. O desenho, lançado em 2010, tem dez temporadas e sugere um relacionamento lésbico entre a Princesa Jujuba e Marceline.
Garnet, de ‘Steven universo’
A forte e confiante Garnet é uma fusão entre duas Crystal Gems — seres alienígenas que lutam para proteger a Terra das forças do mal. Suas duas metades, Rubi e Safira, se uniram graças ao amor nutrido uma pela outra e se tornaram a líder do grupo de heroínas intergaláticas do desenho “Steven Universe”. As gems são seres não-binários, ou seja, os padrões heteronormativos (homem ou mulher) não são relevantes ao longo de suas histórias. Mas, pelo fato de elas se personificarem com traços femininos, a cena do casamento entre Rubi e Safira levantou discussões por simbolizar uma união homoafetiva. A criadora de “Steven Universe” (2013), Rebecca Sugar, primeira mulher a comandar sozinha uma série do canal Cartoon Network, faz questão de abordar questões de gênero e diversidade na série, criando personagens que quebram estereótipos. A personagem Stevonne é uma delas: fusão entre Steven, protagonista da série, e sua melhor amiga Connie, Stevonnie tem aparência mista e todos os personagens da série se referem a ela utilizando o pronome neutro “they”, que em inglês serve tanto para o feminino quanto para o masculino.
Blubs e Durland, de ‘Gravity Falls’
Blubs e Durland são personagens secundários da série de aventuras “Gravity Falls”, mas a dupla de policiais chama atenção pelas teorias de um possível romance entre eles. A animação foi lançada em 2012, e em seu último episódio, em 2016, o relacionamento amoroso entre Blubs e Durland foi finalmente confirmado. “Estamos loucos de poder… e de amor”, afirmam os personagens no fim do capítulo, com música romântica ao fundo. O criador da animação, Alex Hirsch, já havia dito em entrevista que gostaria de trabalhar mais a temática LGBTQ+, mas sofreria certa resistência da Disney por se tratar de uma série para crianças.
Rigby e Mordeca, de ‘A hora do show’
Protagonistas da série “Apenas Um Show”, lançada em 2009, Rigby e Mordeca frequentemente quebram os estereótipos de masculinidade entre uma aventura e outra. A fragilidade dos homens é mostrada em vários episódios, os personagens costumam se relacionar com mulheres fortes e inteligentes e não é raro se sentirem inferiores às suas parceiras. Rigby e Mordeca são muitas vezes taxados de folgados e preguiçosos, e naturalmente são ofuscados pelas mulheres maduras e empoderadas que atravessam suas histórias. Uma delas questiona: “Ah, então você concorda que mulheres não são bem representadas na maior parte da mídia popular?”.
Ele, de ‘Meninas superpoderosas’
Se engana quem pensa que questões de gênero são abordadas apenas nas animações mais recentes. O desenho “As Meninas Superpoderosas”, de 1998, é prova disso. Com a pele vermelha, garras e orelhas pontudas, Ele é a personificação do mal. Seu tutu cor-de-rosa, as botas de salto alto e a voz extremamente aguda são toques que dão um ar anda mais misterioso ao personagem andrógino. O visual incomum e a personalidade sarcástica são arrematados por muita maquiagem. O personagem é um dos vilões mais ardilosos da série, e seu jeito saltitante e espalhafatoso dá um toque divertido à figura marcante de Ele.