Contra zika, grávidas mudam rota do Réveillon e estocam repelente

O repelente virou item de bolsa obrigatório, as roupas compridas saíram do armário em pleno calor de dezembro e telas contra insetos entraram na lista de desejos de consumo. Tudo para evitar o Aedes aegypti, mosquito que transmite dengue, chikungunya e, agora, também a zika.

A rotina e as preocupações das gestantes mudaram após a proliferação de casos de microcefalia ligados ao vírus zika no país –são 2.165 ainda suspeitos e 134 já confirmados, de acordo com o mais recente boletim do Ministério da Saúde, divulgado na última terça-feira (15).

“Passo repelente toda hora”, diz a estilista Susan Feldman, 33, grávida de cinco meses e dona de quatro exemplares do produto.

Seis casos de microcefalia possivelmente ligados ao zika são investigados em São Paulo, onde ela mora, enquanto o Nordeste concentra o maior número de suspeitas. Por isso, ela desistiu de ir à Bahia no fim do ano e resolveu comprar passagens para Miami, nos EUA.

“Não custa nada ficar em casa durante um ano”, exagera Luciana Almeida, 36, coordenadora de fisioterapia do Instituto do Câncer do Estado de SP e grávida de gêmeos. Ela conta que demorou cinco anos para conseguir engravidar, de forma natural.

Agora, diz, “faz de tudo e mais um pouco” para proteger a gravidez. Tudo e mais um pouco: repelente na bolsa, repelentes eletrônicos nas tomadas de casa, roupas compridas (“mesmo no calor”), tela nas janelas do apartamento. A viagem ao sítio, no interior de São Paulo, deu lugar ao Réveillon na capital.

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CUIDADOS

Há exceções, no entanto. A advogada Simone Rossi, 40, diz que não cancelará a viagem à Bahia. “Se eu tiver que pegar lá ou aqui, vou pegar. É só não dar asas ao azar.” Para isso, conta com repelente, vestidos longos e o ar-condicionado do hotel.

“Agora falam ‘não engravide’. Deveriam ter me avisado lá em agosto”, brinca ela, grávida de três meses.

A recomendação de adiar a gestação vem sendo feita por alguns médicos, mas divide opiniões nos consultórios.

“Depende da idade da paciente”, diz o ginecologista e obstetra Paulo Roberto Pirozzi. Ele afirma que é preciso, sim, tomar cuidados, como evitar ir a lugares de risco e proteger-se de mosquitos, mas recomenda manter a calma.

Conselho semelhante ouviu a assistente administrativa Sabrina Lima, 26. Grávida de três meses, usava repelente o tempo todo e passava o dia preocupada. “A médica me disse para viver o hoje e não pensar no pior.”

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CORRIDA NAS FARMÁCIAS

Médicos recomendam que gestantes usem repelente para se proteger de picadas de mosquitos, que podem transmitir dengue e zika –vírus relacionado ao avanço da microcefalia no país. Ao mesmo tempo, dizem que é necessário abrandar seu uso, já que o produto é tóxico.

Muitas aplicações de repelente podem irritar a pele. Esse problema é fácil de resolver, segundo o dermatologista Davi de Lacerda. É só parar de usá-lo. Ele se preocupa, porém, com a absorção do produto em grandes quantidades e diz não saber o que pode acontecer nesse caso.

Com medo e à procura de um meio-termo entre a proteção contra os mosquitos e de uma intoxicação causada por repelentes, grávidas adotaram diferentes hábitos.

Há gestantes que passam o repelente de duas em duas horas –caso da estilista Susan Feldman; outras passam produto da mesma marca de seis em seis horas, como a empresária Fernanda Knopfler, grávida de cinco semanas. “Tenho dúvidas se estou 100% segura de intoxicação.”

As incertezas de gestantes foram agravadas após um teste feito pelo órgão de defesa do consumidor Proteste, na semana passada, que mostra que a durabilidade da proteção de repelentes é menor do que o anunciado nos rótulos.

A pesquisa é contestada pelos laboratórios que produzem os repelentes.

Segundo a Anvisa, não há impedimento para o uso de produtos registrados no órgão, desde que as instruções do rótulo sejam seguidas.

Médicos indicam métodos de aplicação de repelentes diferentes às gestantes. Lacerda recomenda que elas “ampliem as barreiras físicas” com roupas compridas e telas contra mosquitos “para aplicar o repelente com mais frequência numa menor área”, sem correr riscos de intoxicação.

Repassar na pele de três em três horas é justificável, diz ele, se a área exposta do corpo não for tão grande. “Nesse mar de desconhecimento, quanto menos área exposta houver, melhor”, afirma.

Segundo a dermatologista Denise Steiner, o ideal é que as gestantes priorizem o repelente no começo da manhã e no fim da tarde, período de atividade do Aedes aegypti. Ela recomenda o uso de repelentes infantis para grávidas, porque são menos agressivos.

As grávidas têm suado para conseguir repelentes em São Paulo. O Exposis, considerado um dos mais eficazes contra o Aedes, sumiu das prateleiras nesta semana.
Fernanda Knopfler diz que comprou cinco quando finalmente os encontrou, “mas foi um dia inteiro dedicado a isso”, relata. “Pedi para minhas amigas que moram em outros bairros olharem.”

A professora de educação física Simone Mazini pôs seu nome na lista de espera de seis farmácias, mas, até a conclusão desta edição, ainda não tinha conseguido um repelente.

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