Contrato Social

Os recentes protestos dos negros e demais apoiadores nos Estados Unidos, que duraram semanas, têm fundamentos filosófico, jurídico e social bem consolidados, e, por isso mesmo, motivam à luta pelo mesmo ideal os negros de outras nações, inclusive do Brasil.

Do ponto de vista filosófico, os fundamentos estão entrelaçados na teoria do Contrato Social que são ideias defendidas pelos filósofos Thomas Hobbes, John Locke e Jean Jacques Rousseau, cuja finalidade é explicar os caminhos que levam as pessoas a formarem Estado e manterem a ordem social.

O ponto de partida da teoria contratualista emerge do estado da natureza; isto é, uma sociedade sem regras evoluindo para uma sociedade civilizada, que só se torna possível através de um pacto entre os homens, no qual uma regra de ouro se faz necessária, qual seja: os indivíduos abrindo mão de liberdades individuais em benefício do bem-estar político e social de todos.

Assim, a teoria contratualista foi determinante para a existência do que hoje denominamos ‘Estado moderno’.

Nesse sentido, fundamentado também na teoria contratualista, no final do século XVIII, o denominado “Terceiro Estado” francês, – grupo de pessoas subjugadas pelo Monarca – desencadeou uma revolução que destituiu a forma de poder vigente, difundindo seus ideais para todas as nações mundiais, fazendo surgir uma nova era na história e ainda servindo de fundamento para o que aqui denomino ‘positivação supranacional do contrato social’.

Tal positivação ocorreu com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, instituída em Paris, em 1789 pela Assembleia Nacional Constituinte e, no mesmo sentido, surgiu também, aprimorado pelos horrores das duas grandes guerras da primeira metade do século XX e os ideais inescrupulosos do totalitarismo entre guerras, a Declaração Universal dos Direitos Humanos proclamada em 1948 pela Assembleia Geral das Nações Unidas.

Do ponto de vista jurídico, os Estados Unidos com sua enxuta Constituição de apenas 07 artigos e 27 emendas são signatários da Declaração Universal dos Direito Humanos e, aborda na maioria de suas Emendas Constitucionais a expansão de direitos civis e individuas; além disto, merece destaque a lei dos direitos civis (Civil Rights Act), em inglês, proposta pelo presidente John F. Kennedy em 11 de Junho 1963 e promulgada em Julho de 1964, que estabeleceu definitivamente, do ponto de vista jurídico ao menos, o fim dos diversos sistemas estaduais de segregação racial.

A propósito, apenas para frisar, também do ponto de vista jurídico, o Brasil, além de também ser signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, ainda preceitua no artigo 1º, da Carta da República de 1988, como fundamento da República a dignidade da pessoa humana, no artigo 3º, como objetivo republicano construir o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, cor, idade ou qualquer outra forma de discriminação, no artigo 4º a prevalência dos direitos humanos e repúdio ao racismo e, por fim, no artigo 5º o racismo é crime inafiançável e imprescritível.

Por derradeiro, do ponto de vista social, os recentes protestos dos negros nos Estados Unidos tem raízes históricas muito profundas, pois remonta a escravidão naquele país, passando pela proposta de abolição da escravatura negra de Abraham Lincoln, intransigência do lado sul da nação rompendo com a União, visto que contrários à iminente abolição, a abolição propriamente dita, a guerra da Secessão visando reunificar a nação, sem olvidar o empenho valoroso do Advogado Martin Luther King Junior na década de 60 do século XX, com seu lendário discurso “I have a dream” e, mais recente, dada a crescente perseguição policial aos negros com atos de violência cruel, vil e desumana, sobretudo o assassinato de George Floyd, novamente os negros americanos se manifestam efusivamente e de forma legitima mobilizando o mundo inteiro em defesa de seus direitos como pessoa humana, em dizeres como: “eu não consigo respirar” e, a “vidas negras importam”.

Portanto, é percebível que, através da perpetuação destes atos de violência contra os negros, os Estados Unidos revelam a incapacidade dele, enquanto Estado, de cumprir o Contrato Social estabelecido com seus cidadãos; e, tendo em vista que o Contrato Social é o meio justificador para formação dos Estados modernos, permanecendo deliberadamente estes atos covardes e genocidas contra seus cidadãos, urge a necessidade de regredir a outro modelo de Estado, não descartando nenhum, inclusive o Anarquismo de Pierre Joseph Proudhon ou Mikhail Bakunin.

(*) Jurandir Verneque Dias é bacharel em Direito pela UFMS, especialista em Direito Tributário, pós-graduando em Direito Empresarial e advogado Criminalista em Rondonópolis.

 

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