Cornel West: Adeus, neoliberalismo americano. Chegou a nova era

Luke Sharret/The New York Times

Por Cornell West

Tradução: Jaqueline Lima Santos para o Portal Geledés

Fonte: The Guardian

A era neoliberal estadunidense chegou ao fim com o golpe neofacista. O triunfo político de Donald Trump quebrou as estruturas dos partidos Democrata e Republicano – ambos comprometidos com as regras do Big Money (instituições financeiras) e com reinado de políticos vendidos/prostituídos.

As dinastias Bush e Clinton foram destruídas pela atração saturada pelos meios de comunicação de bilionários pseudo-populistas com sensibilidade narcisista e inclinação fascista. A eleição monumental de Trump foi um clamor humano desesperado e xenofóbo vindo de seus corações por uma saída sob a devastação da ordem neoliberal em desintegração – um retorno nostálgico a um passado imaginário de nobreza.

Trabalhadores brancos – e cidadãos de classe média – por raiva e angústia – rejeitaram a negligência econômica das políticas neoliberais e o a arrogância auto-justificada das elites. No entanto, estes mesmos cidadãos apoiaram um candidato que aparentemente responsabilizou as minorias pela sua miséria social, o qual se opôs e isolou imigrantes mexicanos, mulçumanos, negros, judeus, homossexuais, mulheres e chineses no processo.

Esta fusão letal entre insegurança econômica e perseguição/penalização cultural colocou o neoliberalismo de joelhos. Em suma, o fracasso abissal do Partido Democrata ao abordar a mobilidade estagnada e a crescente pobreza da classe trabalhadora desencadeou um populismo e protecionismo cheio de ódio que ameaçam romper a fibra frágil do que ainda resta da democracia americana. Considerando que as falhas mais explosivas da América hoje são, antes de tudo, raciais, depois vem questões de gênero, homofobia, étnico e religiosas, nos ceifamos para um futuro assustador.

O que há de ser feito? Primeiro nós devemos tentar dizer a verdade e uma condição da verdade é permitir que o sofrimento fale. Por 40 anos, neoliberais viveram em um mundo de negação e indiferença frente ao sofrimento dos pobres e da classe trabalhadora e obcecado com o espetáculo do sucesso. Segundo, nós devemos testemunhar a justiça. Nós devemos fundar nosso discurso sobre a verdade dispostos a sofrer e nos sacrificar assim como nós resistimos a dominação. Terceiro, nos devemos lembrar exemplos corajosos como Martin Luther King Jr, quem ofereceu inspiração moral e espiritual, assim como construir alianças multirraciais para combater a pobreza e a xenofobia, crimes de Wall Street e crimes de guerra, aquecimento global e abuso policial – e proteger os direitos e liberdade preciosos.

A era Obama foi o último suspiro do neoliberalismo. Apesar de algumas palavras progressistas e gestos simbólicos, Obama escolheu ignorar os crimes de Wall Street, rejeitar os programas de resgates de casas para os proprietários, acompanhou o crescimento das desigualdades e facilitou os crimes de guerra, como os EUA matando civis inocentes no exterior.

Os ataques da direita contra Obama – e o ódio racista a ele inspirado por Trump – tornaram quase inaudíveis suas críticas progressistas. O presidente tem sido relutante em combater o sofrimento negro – seja em prisões superlotadas, escolas desgastadas ou locais de trabalho em declínio. No entanto, apesar disso, nós temos celebrações do status quo neoliberal expresso em simbolismo racial e legado pessoal. Enquanto isso, pobres e cidadãos trabalhadores de todas as cores continuam a sofrer em um silêncio relativo.

Neste sentido, a eleição de Trump foi possibilitada pelas políticas neoliberais dos Clintons e Obama que negligenciaram a situação dos nossos cidadãos mais vulneráveis. O populismo progressista de Bernie Sanders quase derrubou as estruturas do Partido Democrata, mas Clinton e Obama o resgataram para preservar o status quo. Eu acredito que Sanders teria derrotado Trump para evitar este resultado neofacista.

Neste momento sombrio, nós devemos inspirar uns aos outros impulsionados por um espírito democrático de integridade, coragem, empatia e um senso maduro da história – mesmo que pareça que a nossa democracia está escorregando.

Não devemos nos afastar do povo esquecido na política externa americana – como os palestinos sob ocupação de Israel, civis Yemen mortos pelas tropas sauditas patrocinadas pelos EUA ou africanos submetidos à expansão da presença militar estadunidense.

Como alguém cuja a família e povo sobreviveram e prosperaram a escravidão, Jim Crow e linchamentos, a retórica neofacista de Trump e o reino autoritário previsível é outro momento perigoso que convoca o melhor daquilo que somos e podemos fazer.

Para nós nestes tempos ter esperança é tão abstrato, tão distante, tão circunstante. Ao invés disso, devemos ser uma esperança, um participante e uma força para o bem assim como enfrentamos essa catástrofe.

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