Cota para mulheres gera impasse em meio a recorde de candidatas a vice

Para procurador, cota de 30% do Fundo Eleitoral só pode ser utilizada em candidaturas femininas proporcionais

Por  Marina Gama Cubas Do Carta Capital

Marcos Oliveira/Agência Senado

As eleições mal começaram e um embate sobre o uso da cota de 30% do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) destinada a candidatas mulheres já está sendo construído nas diferentes esferas jurídicas eleitorais.

Em uma delas, fala-se que o percentual está destinado a qualquer tipo de candidatura feminina, seja ela majoritária e proporcional. Outra interpretação prevê que essa cota só pode ser destinada às campanhas de mulheres que disputam cargos proporcionais.

O sistema eleitoral é dividido entre esses dois tipos de candidaturas. O majoritário diz respeito a pleitos que envolve aspirantes aos cargos de presidente, governador, senador e prefeito. Já o sistema proporcional é usado nas eleições dos deputados estaduais e distritais, federais e vereadores.

O assunto ganha maior relevância neste ano por dois motivos.Um deles está relacionado com o uso, pela primeira vez, do recurso do FEFC – um total de R$ 1,7 bilhão – destinado às campanhas eleitorais, assim como a obrigatoriedade de 30% dessa soma – um total de R$ 510 milhões – de ser usada no pleitos das mulheres.

Outro ponto relevante é o fato de haver um número recorde de vices mulheres, tanto nas chapas para a Presidência, como para chapas os Governos Estaduais. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral, os pleitos terão quatro candidatas a vice-presidente e 74 a vice-governadora.

Por esses aspectos, há quem levante dúvidas sobre as reais intenções por parte dos partido políticos de ter tantas vices mulheres em partidos historicamente dirigidos por homens. Haja vista, também, que o número de mulheres cabeças de chapas é sempre bastante inferior ao número de homens.

Para aqueles que contam que as vices poderão se beneficiar dos 30% dos recursos do FEFC para aumentar o aporte das campanhas de seus cabeças de chapas homens, deverão esbarrar com entendimentos contrários e ações na Justiça Eleitoral.

Na visão da Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo, a cota dos 30% do FEFC não pode ser utilizada em campanhas femininas que disputam a Presidência, o Governo estadual e o Senado. “O critério é o seguinte: candidaturas proporcionais teriam a cota e o fundo. Candidaturas majoritária fica por conta do partido”, afirmou Luis Carlos Gonçalves dos Santos, procurador eleitoral regional.

Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.617, que trata do uso de 30% do FEFC para candidatas

O representante da PRE-SP firma sua argumentação no artigo 10 da Lei das eleições 9.504/97, no trecho que estabeleceu que 30% dos registros de candidaturas proporcionais dos partido políticos deverão ser de mulheres. Esse artigo, apresenta ele, foi citado tanto naADI 5.617 do STF, de março de 2018, do Fundo Partidário, como da Consulta feita no TSE, de maio deste ano, que define a utilização da cota de 30% em relação ao FEFC, o que levaria um respeito a Lei que de base as outras normas

Normas

O assunto foi contemplado ainda no Supremo Tribunal Federal, ao analisar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.617, que tratou dos recursos do Fundo Partidário. Na ocasião, a Corte entendeu que esses recursos devem ser utilizado na mesma proporção das candidaturas de ambos os gêneros, respeitado a cota mínima de 30% destinadas às mulheres

Consulta nº 0600252-18, referente a cota de 30% dos recurso do Fundo Especial de Financiamento de Campanha

Logo em seguida, em maio, o recurso do FEFC também foi submetido a consulta, desta vez pelo TSE. Por unanimidade foi entendido que 30% dos recursos do fundo, criado pela minirreforma eleitoral de 2017, deve ser destinado às candidaturas femininas.

Nas duas normas acima o artigo 10 da Lei Eleitoral 9.504/97 é citado. E nele há especificação que o objeto analisado se refere apenas a “candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as assembleias legislativas e as câmaras municipais”. No entanto, trecho mais abaixo da ADI refere-se, literalmente, a ambas as candidaturas, permitindo uma ambiguidade na interpretação da decisão final da ação. O que deixa margem a diferentes entendimentos.

Artigo 10 da Lei das Eleições que fala sobre cota no registro das candidaturas proporcionais. Trecho é citado tanto na ADI 5617 como na Consulta do TSE

Resolução do TSE mais recente diz que “os critérios a serem fixados pela direção executiva nacional do partido devem prever a obrigação de aplicação mínima de 30% do total recebido do FEFC, destinado ao custeio da campanha eleitoral das candidatas do partido ou da coligação”. Ela não detalha o tipo e sistema eleitoral contemplado, mas cita tanto a ADI do STF como a Consulta do TSE.

Punições

Sob sua ótica, diz o procurador regional eleitoral, nenhuma candidata à Presidência ou a vice poderão usufruir do percentual destinada às mulheres. “A cota não diz respeito a elas [Ana Amélia, Kátia Abreu] porque elas estão em uma chapa majoritária. Ainda que fosse a Marina, que é uma candidata a presidente, o dinheiro utilizado com ela, não entra nos 30%. Então não tem a ver com a condição de vice; tem a ver com o sistema eleitoral com o cargo disputado.”

Ele promete, ao ver tal situação ocorrer no Estado de São Paulo, protocolar ações junto a Justiça Eleitoral. “Nós entraremos como essas ações e vamos pedir ao Judiciário que aplique a sanção correspondente, que pode levar a cassação do mandato”.

Procurado pela a reportagem, o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo afirmou, por meio de nota, que resolução do TSE (23.553/2018) não especifica para quais tipos de candidaturas a cota está destinada e, por isso, “o TRE-SP não pode se manifestar sobre a sua consulta, uma vez que a questão pode ser julgada pela Corte do Tribunal, e não podemos antecipar um julgamento”.

Por telefone, a assessoria do Tribunal disse que o tema será decidido na Corte, composta por sete magistrados, conforme suas interpretações quando o assunto chegue ao plenário.

Instâncias superiores

Nas instância superiores, ainda que haja uma maior uniformidade do entendimento do destino desse recurso – tanto Procuradoria Geral-Eleitoral (PGE) como Tribunal Superior Eleitoral dizem que a cota dos 30% incluem candidaturas majoritárias e proporcionais de mulheres -, a questão só começará a ficar clara quando e se o assunto chegar ao TSE através da PGE, uma vez que, por se tratar de normas e orientações muito recentes, não existir jurisprudência sobre o caso.

A instrução normativa da PGE orienta que “à efetivação do mínimo de 30% do montante do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha para financiar candidaturas de mulheres para as eleições majoritárias e proporcionais”.  A instrução é um ato considerado de orientação aos outros órgãos do Ministério Público Federal, não havendo obrigatoriedade nenhuma de que seja seguida pelos procuradorias regionais eleitorais uma vez que ele tem sua independência garantida.

Partidos

O fato é que na apresentação dos critérios de utilização do FEFC, a maioria dos partidos, até a noite do dia 15, não detalhou em que tipo de candidatura os recursos referente a cota 30% serão utilizado. Ou seja, limitaram a dizer “candidatas femininas” e omitiram a informação se o dinheiro será transferido a majoritárias ou proporcionais ou apenas em candidaturas proporcionais.

As exceções foram o MDB, PSDB, PT, PTB e PSC, que afirmaram que usarão o recurso em ambas tipos de candidaturas. Único que seguiu o entendimento parecido da PRG-SP, o PTC, destinou 30% do FEFC a candidaturas de mulheres a deputadas federais e estaduais – apenas proporcionais.

Os critérios apresentados pelos partidos, publicados pelo TSE, ainda estão sob análise do Tribunal para que os recursos do FEFC sejam distribuídos a cada partido.

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