COVID-19 dispara números de normativas publicadas pela União

Enviado por / FonteDO Conectas

Entre janeiro e maio de 2020, o governo do presidente Jair Bolsonaro e outros órgãos federais editaram um total de 1.236 normas jurídicas durante a pandemia de Covid-19. O número geral inclui portarias (705), resoluções (65), medidas provisórias (32) e decretos presidenciais (14), entre outros.

Esse é um dos resultados do estudo inédito elaborado pelo Cepedisa (Centro de Pesquisa e Estudos sobre Direitos Sanitário) da Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo) em parceria com a Conectas Direitos Humanos. A partir de pesquisa no Diário Oficial da União e outras publicações oficiais, o projeto “Mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil” pretende analisar todas as normas jurídicas de resposta à pandemia de Covid-19 no país nos âmbitos federal, estadual e municipal em boletins publicados quinzenalmente.

A primeira edição do Boletim Direitos na Pandemia, que contemplou o período de 1º de janeiro a 31 de maio de 2020, destaca que o governo federal editou 57 MPs (medidas provisórias), das quais mais da metade (32) eram normas relacionadas à pandemia de Covid-19. Isso representa quatro vezes mais do que o número de MPs publicadas no mesmo período do ano passado (14), quando se iniciou o atual mandato.

De acordo com o pesquisador do Cepedisa Fernando Aith, a enorme quantidade de normas criadas pelo Executivo sobre a Covid-19 limita o papel do Poder Legislativo e dificulta o exercício da cidadania.

“Numerosas normas infralegais ultrapassam o âmbito administrativo, criando obrigações para a população em geral, de forma fragmentada e por vezes até contraditória”, afirmou Aith. “Além disso, fomenta a judicialização da saúde pois a conformidade dos atos normativos do Poder Executivo com a lei é frequentemente questionada junto ao Poder Judiciário”, complementou.

(Foto: Imagem retirada do site Conectas)

Discriminação contra Venezuelanos

O Boletim Direitos na Pandemia chama a atenção para a quantidade de normas para regular o trânsito de pessoas pelas fronteiras. De janeiro a maio, foram 15 portarias interministeriais, a maior parte assinada pela Casa Civil, ministros da Justiça, da Saúde e da Infraestrutura.

De acordo com a pesquisadora Deisy Ventura, do Cepedisa, muitas destas portarias infringem leis brasileiras e tratados ratificados pelo país.

“Reconhecemos a importância de medidas de restrição nas fronteiras como parte dos esforços de contenção da propagação da doença, mas muitas das medidas adotadas se mostram desproporcionais”, declarou Ventura.

Em 22 de maio, o governo editou a portaria nº 255, que consolidou todas as restrições de entrada no país. O texto discrimina especificamente cidadãos venezuelanos, proibindo inclusive sua entrada em território brasileiro mesmo com autorização de residência, filhos ou cônjuges brasileiros. A portaria 255/19 cria ainda a possibilidade de deportação sumária, o que é proibido pela legislação brasileira, que garante aos migrantes o direito à defesa e o princípio do devido processo legal.

“A maioria dos venezuelanos que chega ao Brasil entra na condição de refugiado, portanto o texto não apenas viola o Estatuto do Refugiado como estabelece uma discriminação baseada na nacionalidade, algo que viola tratados internacionais assumidos pelo Brasil, como também o Estatuto do Refugiado, a Lei de Migração e a própria Constituição Federal, que estabelece o princípio de não discriminação” complementou.

Atualmente, a portaria 255 foi substituída pela de nº 340, que mantém os mesmos problemas identificados na anterior.

Sobre o Boletim Direitos na Pandemia

Diante da urgência que a pandemia de Covid-19 impôs no Brasil e no mundo, o Boletim Direitos na Pandemia se propôs a realizar um extenso levantamento de todas as normas legais e infralegais editadas pelas diversas instâncias de poder no Brasil, seja no âmbito, federal, estadual ou municipal.

Reunindo uma equipe multidisciplinar, o projeto compreende pesquisa documental para constituição de um banco de normas, com produção de dados para análise qualitativa de impacto potencial sobre direitos humanos, além de produção de dados para desagregação e análise quantitativa, em especial o cruzamento de dados sobre as normas com indicadores epidemiológicos.

A pesquisa pretende realizar uma análise sobre o impacto da nova legislação nos direitos fundamentais para que seja possível acompanhar os seus efeitos a médio e longo prazo.

A publicação lançada hoje aborda ainda dúvidas sobre o que é uma pandemia, como se dá o nome de uma doença e compila as 85 recomendações da CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) sobre como os Estados devem lidar com este contexto sem violar direitos.

+ sobre o tema

Meta passa a permitir que usuários classifiquem gays e trans como ‘doentes mentais’

Publicações que associem "doenças mentais" a identidade de gênero...

Brasil flagra mais de 1,6 mil escravizados em 2024, do Rock in Rio à BYD

O Brasil encontrou, pelo menos, 1.684 trabalhadores em condições...

Estudo mostra que Bolsa Família reduziu mortes por tuberculose

O programa federal de transferência de renda Bolsa Família...

‘Papai, o que vai acontecer com a gente quando Trump começar seu governo?’

Era ainda cedo e praticamente escuro. Eu e meus...

para lembrar

Michael Löwy: O golpe de Estado de 2016 no Brasil

"A prática do golpe de Estado legal parece ser...

Cotas, Prá que ti quero? A Política Social de Cotas Raciais

José Ricardo d'Almeida A polêmica das cotas raciais está...

Declaração de deputado do Rio sobre indígenas causa indignação na Bolívia

A Bolívia reagiu com indignação, neste sábado, às declarações...

Tapa na cara

Começar o ano ouvindo um prefeito reeleito democraticamente fazer apologia da "liberdade de expressão em defesa da ditadura militar" (como ocorreu na capital do RS)...

Trump não convidar Lula é o novo penduricalho da extrema direita brasileira

O dia da posse de Donald Trump se aproxima, será em 20 de janeiro, e o universo bolsonarista tenta transformar o fato de Lula...

Abraço à democracia marcará dois anos da tentativa de golpe

Na próxima quarta-feira (8), a tentativa de golpe contra a democracia no Brasil completa dois anos. A memória dos atos de ataque à soberania...
-+=