”’Criada por uma família branca, demorei anos para aprender a amar ser negra”’

Gina Atinuke Knight, de origem nigeriana, conta que passou grande parte da juventude sem referências de mulheres negras.

por Folha MT

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A mãe de Gina Atinuke Knight a amava, mas a infância em uma família branca fez com que ela levasse anos para ter orgulho de sua negritude. O cabelo foi uma das primeiras coisas que ela veio a amar, e é por isso que ela se tornou blogueira e cabeleireira. Veja abaixo seu depoimento à BBC.

“Quando eu tinha oito ou nove anos, minha família começou a fazer viagens de férias de trailer. Nós fomos a lugares bonitos como Clacton-on-Sea e Whitstable, no Reino Unido, mas a verdade é que eu achava essas viagens deprimentes.

Eu chamava muita atenção. Sentia com frequência o olhar dos outros, porque não apenas eu geralmente era a única pessoa negra no estacionamento de trailers, mas também porque era uma garotinha negra andando por aí com pais brancos.

Nasci em uma clínica particular de Londres em 1983. Minha mãe biológica era uma mulher nigeriana de classe média de 22 anos e solteira que decidiu me deixar sob os cuidados de uma “babá” branca.

Não era particularmente incomum que os pais nigerianos dos anos 1970 e 1980 deixassem os filhos sob os cuidados de babás brancas no Reino Unido enquanto voltavam para morar na Nigéria.

Isso mostrava um certo status. Passava a imagem de que a criança estava morando na Inglaterra, sendo cuidada por uma babá branca e aprendendo inglês britânico. Mas a realidade era muito menos glamourosa.

Morávamos na casa das cuidadoras brancas com suas famílias e, na melhor das hipóteses, seríamos tratados como um de seus próprios filhos. Mas essa prática, conhecida como adoção privada, era completamente desregulamentada. Há, inclusive, algumas histórias de horror associadas a essa prática.

Minha mãe biológica colocou um anúncio no jornal local procurando uma babá quando eu ainda era bebê – 11 meses, para ser precisa – e só fui vê-la de novo aos seis anos.

Um casal respondeu ao anúncio. Eram pessoas comuns da classe trabalhadora do sul de Londres, os quais eu passaria a ver como pais.

Eu era uma criança negra vivendo em South Norwood, área predominantemente negra, com meus pais brancos e seus dois filhos biológicos. Sempre tive consciência de que nosso tom de pele era diferente, então, nunca tive aquele clique: “Oh, eu sou negra e vocês são brancos!”

É claro que meus colegas da escola tinham dúvidas. “Aquele é seu avô? Essa é sua tia?”

Mas as pessoas perguntavam mais por que meus pais eram muito velhos – e não sobre a questão racial.

Minha melhor amiga da escola primária era mestiça, e sua mãe era uma mulher negra de pele escura. Eu amava passar o dia brincando com ela, mas acho que o que eu adorava mesmo era estar perto da mãe dela, que trabalhava na cidade e dirigia um jipe ??rosa. Então, ainda jovem, me agarrei a alguém que era bem-sucedido e se parecia comigo.

Se eu fosse uma criança hoje, morando com meus pais, as pessoas me perguntariam se eles se preocupavam com racismo. A resposta? Não. Se eu estava bem vestida, alimentada e parecia feliz, eles achavam que estavam fazendo um bom trabalho em termos de criação. Para ser honesta, não acho que foram capazes de olhar além das aparências.

Minha mãe me deu de presente algumas bonecas negras e tentou incentivar amizades com outras garotas negras da minha rua durante toda a minha infância, mas nunca deu certo, porque eu queria escolher meus próprios amigos.

Quando penso na minha mãe, sei que ela me amou. Nunca vou me esquecer de quando ela foi até a minha escola depois que um professor supôs que eu não sabia ler. Eu era tímida e introvertida no colégio, mas ela ficou furiosa com a alegação injusta e falsa do meu professor. Nunca vou me esquecer disso, porque era o jeito dela de me proteger.

‘Teria sido mais barato sem alguém’

Se ela ainda estivesse viva, tenho certeza de que teria sido uma avó presente para minhas filhas e, como consequência, eu ainda teria contato com meu pai e irmãos mais velhos.

Por outro lado, meu pai apenas tolerava minha presença. Nas viagens de trailer, eram meus pais, minha irmã e eu – meu irmão era 18 anos mais velho. Nós quatro saíamos para comer fora, e meu pai fazia comentários como: “Teria sido mais barato sem alguém”. O “alguém” era eu.

Eu estava sob os cuidados dele desde os 11 meses, e, a esta altura, ele e minha mãe eram meus guardiões legais, logo, dizer isso era algo cruel. Eu tinha 21 anos quando minha mãe morreu e, desde então, meu pai não fez nenhum esforço para entrar em contato ou mostrar que se importava comigo.

Meu irmão também deixou claro que não me via como parte da família. Quando ele se casou, eu seria dama de honra, mas ele vetou, porque não queria que eu chamasse atenção.

Se eu pudesse voltar no tempo e escolher que tipo de vida teria, rejeitaria ser criada por pais brancos novamente. Não gostaria de chegar em casa e me sentir diferente.

Isso é estranho, porque cresci em uma comunidade predominantemente negra, então, eu me sentia inserida quando estava na rua. E uma alienígena da porta de casa para dentro.

Cheguei até a mudar meu nome para Gina – meu nome de nascença é Atinuke. Queria me sentir parte da minha família, que tinha nomes ingleses tradicionais.

Quando minha mãe biológica voltou a Londres para me visitar, eu não senti afinidade com ela, tampouco com aquela parte da minha família. Eu lembro de quando tinha 13 anos, e minha mãe estava no norte de Londres, com amigos nigerianos por perto. Eles falavam comigo em iorubá [idioma falado na Nigéria] e, antes que eu pudesse abrir a boca, ela dizia: “Ela não sabe falar iorubá”.

Ela respondia rapidamente na esperança de preencher o silêncio. A verdade é que ela sentia vergonha pelo fato de eu ser uma criança nigeriana, mas não entender ou ter conexão com a cultura nigeriana.

Não compreender a língua do meu país de origem, usar um penteado diferente do estilo dela e não ter medo de respondê-la. Estes eram sinais reveladores de que eu era mais britânica do que nigeriana.

Eu não me encaixava na minha família nigeriana, tampouco na minha família branca. Olhando para trás, vejo que estava presa a uma crise intrincada de identidade. Isso tudo se deve à minha mãe biológica e sua crença de que pessoas brancas eram mais adequadas para me criar.

Momento decisivo

No ensino médio, houve um momento decisivo para descobrir quem eu era e abraçar minha negritude. Assim como na minha infância, gostava de estar perto de mulheres negras mais velhas e bem-sucedidas.

A cada novo ano letivo, minha escola indicava mentores aos alunos. Quando tinha 14 anos, fui orientada por uma advogada negra chamada June. Ao crescer sem modelos femininos negros, me sentia limitada em relação àquilo que conseguiria alcançar.

Não via mulheres negras trabalhando com arte. Não acreditava que mulheres negras pudessem ser editoras de revistas, porque não conhecia nenhuma. Mas June mudou meu pensamento. Passar um tempo com ela me deu a sensação de que eu poderia fazer qualquer coisa.

Foi o primeiro passo importante para começar a sentir orgulho de quem eu era e de quem gostaria de ser como uma jovem negra. O outro foi conhecer a pessoa que virou minha melhor amiga no ensino médio – e até hoje. Ela abriu meus olhos para um mundo diferente.

Na casa dela, conheci as belas e tradicionais comidas jamaicanas, como a fruta ackee, em vez de comer o bem-intencionado, mas desastroso, arroz jollof da minha mãe, feito com ketchup, em vez de pimentão vermelho e tomate-cereja.

Quando chegou a TV a cabo, comecei a assistir a séries como “Um Maluco no Pedaço”. Ver essa família negra na televisão passar por diferentes obstáculos na vida, de relações amorosas ao racismo, me ofereceu outros modelos inspiradores, uma perspectiva diferente do que significa ser uma pessoa negra.

Conexão profunda com meu cabelo crespo

Mas não foram apenas os personagens que me ajudaram a ter orgulho de ser negra – logo troquei a revista em quadrinhos Bunty pela Black Hair e descobri uma conexão profunda com meu cabelo crespo.

Na infância, minha família tinha dificuldade de lidar com meu cabelo. Minha irmã tentava fazer duas tranças grandes, mas meus pais cortavam meu cabelo extremamente curto e enchiam de gel. Várias mulheres negras da rua chegaram a tentar consertar os erros cometidos pela minha família.

Na adolescência, comecei a aprender do zero como fazer meu cabelo sozinha. Descobri como fazer tranças e penteados com meu cabelo natural e acabei obcecada com isso.

Quando falo sobre comidas, línguas e outras partes da cultura negra, em particular a nigeriana, tenho consciência de que estou recuperando o atraso cultural por não ter crescido com pais nigerianos.

Ao conversar sobre cabelo com outra mulher negra, há sempre uma conexão natural, então, talvez não seja surpreendente que eu agora ganhe a vida como fabricante de perucas e blogueira no Instagram, onde publico fotos dos penteados e perucas que eu faço.

Autumnal ????????

Identidade nigeriana

Na idade adulta, comecei uma jornada pessoal para abraçar minha identidade nigeriana, me conectando com a espiritualidade africana e incorporando Atinuke, meu nome de nascença, como meu nome do meio.

Eu gosto do meu nome agora e, sendo mãe de duas filhas, Freya e Florence, quero que elas se orgulhem do seu lado nigeriano. Quero que se orgulhem das suas origens.

Nós vivemos em uma área predominantemente branca – e como elas são mestiças, quero que abracem todos os aspectos de sua identidade.

Reconectei-me com minha mãe biológica na Nigéria. Não é exatamente uma relação de mãe e filha, mas ela disse que está orgulhosa de quem eu sou e da mãe que me tornei.

Recentemente, tenho pensado em abrir uma associação de adultos negros que foram adotados de forma privada. A primeira vez que ouvi falar de alguém que havia tido o mesmo tipo de criação que eu foi aos 27 anos.

Meu companheiro, John, me deu de presente um livro chamado “Preciosa”, sobre uma jovem negra criada por pais brancos. Quero que a gente fale mais sobre essas experiências, porque, assim, talvez não me sentisse tão isolada.

Há tantos adultos negros que viveram sua infância assim que deveria haver um espaço dedicado a conversas interessantes e catárticas – seria muito positivo.”

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