A crise da água e os moradores das favelas

Iniciamos o último mês do ano. Dezembro chegou com seus dias lindos, claros, brilhantes e mais compridos por conta do horário de verão. Com ele, também chega a ameaça de sofrermos com problemas relacionados ao abastecimento de água, devido à seca que o país vem sofrendo em diversas regiões.

Por Mônica Francisco , Jornal do Brasil

São Paulo passa por sua via crucis nesse sentido. Nós moradores de favela, temos nesta questão em particular grandes e dolorosas experiências.

Quem não se lembra da política da bica d’água, que muitos políticos se utilizaram em troca de votos, aproveitando-se do desespero e da precariedade na entrega do serviço aos moradores de favelas no Rio de Janeiro.

Em 2010, o Programa Água Para Todos do governo do Estado do Rio de Janeiro prometeu acabar com  a provisoriedade e precariedade no abastecimento de água nas favelas do Rio de Janeiro e que o serviço seria prestado como em qualquer outra área da cidade.

Um programa muito interessante, porque não só versava a parte mais estrutural da questão, como reorganização de todo o sistema de distribuição hídrica, acabando com o monopólio de “manobreiros” ou “donos da água”, e em determinadas localidades, aproveitando muitas destas figuras como funcionários regularizados e como uma mão de obra com larga experiência e conhecimento dos sistemas locais.

Atrelado à parte mais estrutural, a aplicação de proposta de trabalho com instituições locais, como escolas por exemplo, fariam todo um movimento de reeducação na utilização e no consumo mais consciente da água.

Consequentemente, a organização de cadastro dos moradores para emissão de contas, que inicialmente seriam tarifadas  com base em Decreto lei estadual, do ano de 1999, que versa sobre a cobrança de tarifa social para o abastecimento de água, pela Companhia Estadual de Água e Esgoto(CEDAE), em Áreas de Especial Interesse Social(Decreto Estadual 25438/1999).

Em continuidade ao processo de inclusão destas milhares de pessoas ao cadastro de consumidores formais, o que de fato tornaria esses moradores e moradoras, cidadãos plenos e consumidores regulares. O programa já havia recuperado muitas redes de distribuição, diminuindo o desperdício e acabando com as sangrias, ou os famosos “gatos”. Além de ter gerado uma economia considerável para a empresa, o que é muito simpático, quem não gosta de economia?

Bem, a coisa travou, o programa mudou sua dinâmica e a sociedade continua colocando na conta das favelas a pecha de serem consumidores clandestinos, aproveitadores e culpando essa grande e considerável parcela da população do estado do Rio de Janeiro, por utilizarem um serviço essencial e caro, sem nenhum custo.

Com toda essa crise, sinalizada aqui inicialmente e veiculada diuturnamente por todos os meios de comunicação, penso que no final da cadeia, os moradores das favelas e das áreas periféricas irão amargar um grande e grave problema.

Só que atualmente, depois de diversos planos de urbanização e remodelação do layout de muitas favelas ao longo das últimas décadas, não existem mais tantas bicas disponíveis, locais onde alternativamente se buscava água, se lavava roupa e se dava banho nas crianças.

Isto posto, viveremos um drama e tanto. Mas o mais triste disso tudo, é perceber que realmente não se investem em ações para o longo prazo e a tal cidadania tão cantada em verso e prosa, aquela que se quer dar aos moradores de favelas, pode não ser bem o real intuito de nossos governantes e autoridades. É mais fácil deixar a conta(sem trocadilho) da cultura da informalidade para os favelados, afinal de contas(sem trocadilho mesmo)sempre foi assim, para e por quê mudar?

“A nossa luta é todo dia. Favela é cidade. Não aos Autos de Resistência, à GENTRIFICAÇÃO e ao RACISMO, ao RACISMO INSTITUCIONAL, ao VOTO OBRIGATÓRIO e à REMOÇÃO!”

*Membro da Rede de Instituições do Borel, Coordenadora do Grupo Arteiras e Consultora na ONG ASPLANDE.(Twitter/@ MncaSFrancisco)

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