Espaços que prestavam atendimento social e jurídico às vitimas de violência estão fechando as portas
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No centro da chamada Praça Cívica, em Manguinhos, bairro com um dos piores Índices de Desenvolvimento Humano do Rio, há uma pequena casa de tijolos sem porta, janelas ou móveis, pichada de cima a baixo, por dentro e por fora. Não há qualquer sinal de que ali, a cada ano, mais de mil mulheres desempregadas ou vítimas de violência doméstica eram atendidas por uma advogada, uma assistente social, uma psicóloga.
A Casa da Mulher de Manguinhos é uma de ao menos duas baixas da rede de atendimento a mulheres do Estado do Rio. Outros centros ainda funcionam, mas sucateados, e dependentes da boa vontade das funcionárias, que estão com salários atrasados.
Outro que fechou as portas – segundo a Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos, temporariamente – foi o Centro Especializado de Atendimento à Mulher de Queimados, na Baixada Fluminense, região que concentra altas taxas de violência física e sexual contra mulheres.
Os funcionários das casas são, em grande parte, bolsistas da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Recebem por um convênio com a universidade, que não será renovado.
A Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos diz que vai deslocar funcionários para o Centro Integrado de Atendimento à Mulher Márcia Lyra, no centro, e para o CIAM Baixada, além de incorporar ao quadro de funcionários alguns profissionais que eram terceirizados. Estuda, ainda, a municipalização dos centros de Queimados e da Baixada.
Todos precisam repor seus quadros. Na Baixada, o centro tinha uma equipe de 16 pessoas. Agora tem quatro, dizem funcionários. A média de atendimento caiu de 15 a 20 mulheres por dia para 5. O centro parou de divulgar o serviço para não atrair mais mulheres. As que chegam lá e não podem ser atendidas são encaminhadas a uma delegacia, e o atendimento acaba por aí.
“Esses centros já são frágeis do ponto de vista da legislação porque, em geral, tem poucos concursados, mas terceirizados. No Estado, o cenário vem se agravando desde 2014. A folha dos centros foi reduzida, diria, de 100 contratados para 20”, diz a ex-superintendente de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher, Adriana Mota.
Na visão da pesquisadora, a precarização dos centros faz parte de um fenômeno que vai além da crise financeira que o Estado enfrenta, a judicialização da violência doméstica. “É uma concepção de que a violência se enfrenta com polícia. O sistema de justiça, por si só, não dá a resposta que o problema precisa, que é uma resposta mais holística. Mas o Estado, na hora de fazer uma opção orçamentária, escolhe manter uma delegacia, e não um centro especializado de atendimento.”
Mota diz que o sucateamento da rede de atendimento afeta principalmente mulheres mais pobres. “Uma mulher que tem condições vai chamar um advogado particular, um médico particular. As mais pobres estão privadas de um importante meio de garantir uma vida sem violência.”
Leda Dantas, 62, recorreu à rede do Estado após sofrer ameaças do então marido e ser perseguida por ele mesmo depois da separação. “Muitas mulheres não entendem o que está acontecendo e não saem da relação, tamanha é a deterioração da sua auto-estima. Nos centros, a pessoa passa por uma metamorfose na cabeça. Além disso, a violência também é silenciosa, traz um estrago emocional enorme, que passa pela tentativa de isolar a pessoa do núcleo social, familiar e afetivo, tentando comprometer sua auto-estima, o que, nos centros, é cuidado e tratado. É fundamental para a recuperação.”